Mudanças na lei laboral podem ser “arma” contra trabalhadores

Carvalho da Silva, investigador e ex-líder da CGTP, alerta que num contexto económico e político menos favorável, as alterações ao Código do Trabalho podem virar-se contra os trabalhadores.

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LUSA/INÁCIO ROSA

O investigador Manuel Carvalho da Silva considera que as alterações à lei laboral propostas pelo Governo têm “ambivalências” e podem servir de “arma” contra os próprios trabalhadores, num contexto político e económico menos favorável que o actual.

Em entrevista à Lusa, o ex-líder da CGTP e coordenador em Lisboa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra afirma que a revisão do Código do Trabalho “é uma necessidade”, mas defende que a proposta acordada na Concertação Social entre as confederações patronais e a UGT “não mexe o suficiente” para reverter medidas impostas pelo anterior governo PSD/CDS.

“Num contexto económico-social e político mais desfavorável aos trabalhadores, algumas das medidas podem tornar-se instrumentos contra os próprios trabalhadores”, sublinha Carvalho da Silva.

Segundo o investigador, em causa estão medidas como o alargamento do período experimental de 90 dias para 180 dias para os contratos sem termo de jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, a possibilidade de bancos de horas por acordos de grupo ou a “generalização” aos vários sectores de actividade dos contratos de muito curta duração.

Estas medidas saídas do acordo de Concertação Social e que irão a votação na generalidade no Parlamento no dia 18 “podem ser uma arma muito complicada numa situação de mais instabilidade”, reforça o ex-dirigente da intersindical.

Para Carvalho da Silva, a possibilidade de se avançar com o banco de horas por acordos de grupo, desde que haja aprovação por parte de 65% dos trabalhadores, “é um absurdo” e “uma negação da negociação colectiva”.

“Não respeita o princípio constitucional do direito de negociação”, acrescenta o sociólogo, para quem a única forma de existir um equilíbrio nas relações laborais é deixar a questão do banco de horas apenas para a negociação colectiva.

E questiona: “O que se pode esperar de pronunciamentos de maiorias em referendos organizados pelos patrões?”

Sobre o alargamento do período experimental, o investigador do CES considera que a questão é “delicada”, e espera que durante o debate parlamentar sejam introduzidos “mecanismos que impeçam abusos” no sentido de não ser permitido usar o período de experiência como uma nova forma de contratação a prazo.

Carvalho da Silva espera “um amplo debate qualificado” durante a discussão na especialidade no Parlamento, depois das férias parlamentares, e que haja abertura para alterações à proposta do Governo.

O sociólogo sublinha que a revisão do Código do Trabalho feita pelo anterior executivo PSD/CDS foi “a alteração que deixou um lastro mais pesado para o futuro”, mas considera que esse “lastro negativo” também “não está a ser corrigido” como devia pelo actual Governo.

Exemplo disso é, segundo defende, o facto de o Parlamento ter chumbado, com os votos do PS, as propostas do PCP e do Bloco de Esquerda que previam a reposição do valor das compensações por despedimento aos níveis anteriores aos da troika.

Segundo afirma, as alterações à legislação laboral de 2012 “provocaram uma transferência de rendimentos do factor trabalho para o capital de mais de 3 mil milhões de euros por ano” e “reforçaram o papel da entidade patronal”.

“O sentido [das alterações à lei laboral do actual Governo] não é regressar ao passado”, mas é preciso ir mais longe, defende Carvalho da Silva, acrescentando que o executivo de António Costa, na segunda parte da legislatura, “está a empurrar com a barriga” a solução dos problemas.

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