Organizações nepalesas vieram contar o que fizeram com o Prémio Champalimaud de Visão

Em 2013, quatro organizações nepalesas receberam o Prémio António Champalimaud de Visão, no valor de um milhão de euros. Agora vieram a Lisboa dizer o que fizeram com esse dinheiro.

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Sagar Rana, Shyam Pokhrel, Tirtha Mishra e Sailesh Mishra DR

Tirtha Mishra, Shyam Pokhrel, Sagar Rana e Sailesh Mishra lideram organizações nepalesas que lutam contra a cegueira no seu país e sabem como é importante mostrar ao resto do mundo que essa batalha continua e que todas as ajudas internacionais são preciosas. Por isso, numa visita à Europa fizeram questão de passar pela Fundação Champalimaud, em Lisboa, para mostrar o que estão a fazer com um milhão de euros do Prémio António Champalimaud de Visão, que lhes foi atribuído em 2013. Até agora, criaram um hospital, o primeiro serviço de patologia ocular do Nepal, um departamento de investigação científica e estão a tratar 40 crianças com cancro ocular.

Sailesh Mishra faz questão de lembrar como a saúde ocular no Nepal era bem diferente entre o final dos anos 70 e início dos anos 80. “Não havia um hospital para cuidar da visão no Nepal. As pessoas tinham de ir para a Índia. E a lista de espera para cirurgia na capital era de um ano. Foi neste ambiente que a Nepal Netra Jyoti Sangh [NNJS] foi criada”, conta o actual director-executivo desta organização não-governamental que nasceu em 1978 e tem estado na linha da frente dessa luta. Sailesh Mishra destaca ainda um ano determinante: 1981. Foi aí que, com a ajuda de dinheiro estrangeiro e helicópteros do Canadá, se fez um rastreio à população nepalesa.

“Esse inquérito mostrou-nos que as cataratas eram a principal causa de cegueira no país [em cerca de 72%], o tracoma era a segunda e havia uma prevalência nas mulheres”, refere, acrescentando que a cegueira afectava cerca de 117 mil pessoas (0,84% da população). Quais as causas? Pobreza, má nutrição, falta de acesso a cuidados de saúde, falta de infra-estruturas e de recursos humanos. Nessa altura, havia menos de dez oftalmologistas para 15 milhões de nepaleses.

Fez-se então um plano de combate que passou pela formação de oftalmologistas e assistentes oftálmicos, pela construção de hospitais e centros de atendimento e captou-se ajuda internacional. A NNJS teve a responsabilidade de “tomar conta” de grande parte da saúde ocular dos nepaleses: “Hoje cerca de 90% dos serviços estão a cargo da Nepal Netra Jyoti Sangh, como 18 hospitais, 80 centros para a visão e diferentes programas”, refere Sailesh Mishra. Actualmente, há cerca de 350 oftalmologistas no Nepal e a cegueira afecta 0,35% da população.

“Fez-se muito no Nepal. Estabeleceram-se centros para saúde ocular em todas as áreas administrativas, temos mais oftalmologistas, recursos humanos e a assistência médica chegou até às áreas mais remotas. A beleza do NNJS é que há participação da comunidade e agora já fazemos 350 mil cirurgias por ano,” revela Sailesh Mishra. E mostra-nos um panfleto com a última vitória no país: o tracoma deixou de ser um problema de saúde pública este ano.

Sailesh Mishra também destaca o Prémio António Champalimaud de Visão como “uma conquista importante para o Nepal.” Tirtha Mishra, presidente do NNJS, junta-se à conversa: “Por que viemos a Portugal? Porque o prémio da Champalimaud aumentou o nosso moral e a nossa visibilidade internacional.” O prémio de um milhão de euros foi distribuído de igual forma por quatro organizações: a NNJS, o Instituto Tilganga de Oftalmologia, o Programa de Cuidados Visuais da Região Leste e o Instituto Visual de Lumbini – os últimos três estão sob a alçada da NNJS.

Centro de excelência em 2020

“Basicamente, na NNJS usámos o prémio para criar um hospital para a saúde ocular em Katmandu, a capital do Nepal”, diz Sailesh Mishra. Apesar de ficar na capital, este é um hospital periférico criado em 2017, num sítio onde não existiam estes cuidados de saúde. Renovado a partir de um antigo edifício e com novos equipamentos, nesse hospital realizam-se exames ou programas educativos, há sala de cirurgia e tem serviço de farmácia. 

Sailesh Mishra diz que a NNJS tem três propósitos com esse hospital: realizar mais cirurgias às cataratas (que ainda é a principal causa de cegueira no Nepal), ter outro programa académico para formar mais oftalmologistas e contribuir para que o Nepal tenha um centro de excelência de saúde ocular em 2020. Esse centro juntará todas as valências na área da saúde (centros de atendimento e hospitais) para que sejam produzidos tanto cuidados de saúde como investigação de ponta no Nepal. Por exemplo, nesse centro realizar-se-ão exames ou cirurgias, mas também haverá um banco de córnea ou ensaios clínicos.

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Em cima, Sailesh Mishra; e, em baixo, Shyam Pokhrel, Tirtha Mishra e Sagar Rana DR

No Instituto Visual de Lumbini, com o prémio da Champalimaud, criou-se o Departamento de Investigação Champalimaud. Quem nos fala desse serviço é Sagar Rana, o presidente do instituto, e em nepalês. Como não está à vontade com o inglês, precisou de uma ajuda de Sailesh Mishra para a tradução. Sem se atrapalhar, auxilia-se também de outras formas de comunicação: tira o telemóvel para nos mostrar fotografias do departamento de investigação, que começou a funcionar no ano passado, e conta que já trabalham lá dez pessoas.

De óculos de sol e sempre a sorrir, faz questão de destacar: “Tem-se feito muito trabalho com as crianças com retinoblastomas [o cancro ocular mais comuns nas crianças, cuja incidência é mais elevada nos países em vias de desenvolvimento]. Há 40 crianças que estão a ser tratadas com a ajuda deste prémio.” E mostra a fotografia de uma criança com esse problema já num estado bastante avançado (e que pode impressionar). “Pode ser uma causa de morte, mas se for detectado a tempo pode ser tratado.”

Shyam Pokhrel também quer revelar o que foi feito com o prémio no Programa de Cuidados Visuais da Região Leste (EREC-P). O presidente do EREC-P também precisa da tradução de Sailesh Mishra para contar tudo o que se fez por lá: “O prémio foi usado para criarmos o primeiro serviço de patologia ocular do Nepal.” Com o financiamento, adquiriram equipamentos da área da microbiologia, bioquímica ou da hematologia e começaram um curso para oftalmologistas.

“Há ainda muito a fazer”, assume Sailesh Mishra. Actualmente, ainda é difícil chegar a certas áreas remotas das montanhas e há grandes dificuldades em áreas planas ligadas à pobreza, migração para a Índia ou à falta de acesso à informação. Para o futuro, além do centro de excelência, a NNJS quer criar 350 novos centros de atendimento no Nepal e reduzir a prevalência da cegueira.

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