Libertação de Lula da Silva suspensa em braço-de-ferro entre juízes

Pedido de habeas corpus para a libertação do antigo Presidente brasileiro foi aceite por juiz desembargador do tribunal de Porto Alegre. Depois foi suspensa pelo relator da Lava-Jato do mesmo tribunal, até uma nova ordem reforçar a primeira decisão e ordenar a saída de Lula no prazo de uma hora.

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Reuters/STRINGER

Numa rápida e turbulenta sucessão de ordens judiciais, que apanharam de surpresa os meios políticos, jurídicos e jornalísticos brasileiros, o antigo Presidente Luíz Inácio Lula da Silva viu deferido um pedido de habeas corpus para a sua libertação imediata da prisão -- uma decisão que primeiro não foi executada, mais tarde foi reiterada, depois acabou por ser suspensa, e finalmente voltou a ser confirmada, juntamente com um prazo de uma hora para a saída do líder histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) da cadeia. Aguardam-se agora as cenas do próximo capítulo.

Ao início do dia, o tribunal regional federal de Porto Alegre aceitou um pedido de habeas corpus para a libertação de Lula da Silva, que está a cumprir uma pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O habeas corpus fora apresentado na sexta-feira pelos deputados do PT Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, com o argumento de que não existe fundamento jurídico para a prisão de Lula: surpreendentemente, o juiz desembargador Rogério Favreto, de "plantão" no fim-de-semana, deferiu o pedido no domingo.

Entretanto, já escreveu outros dois despachos no mesmo sentido, reforçando a sua posição perante a acção dos juízes Sergio Moro e João Gebran Neto, ambos com responsabilidades na investigação anti-corrupção conhecida como Lava Jato, e que tentaram impedir a execução, e mais tarde suspender, a ordem de libertação imediata de Lula. "Não estamos em regime político e nem judicial de excepção", censurou Rogério Favreto, que acompanhou o seu terceiro despacho com um prazo de uma hora para que a polícia soltasse Lula da Silva. "Eventuais descumprimentos importarão em desobediência de ordem judicial, nos termos legais", acrescentou.

A saga jurídica começou momentos depois de conhecida a primeira decisão de Favreto. O juiz Sergio Moro recusou o cumprimento da ordem do desembargador, que considerou "autoridade absolutamente incompetente" para deliberar sobre a libertação de Lula da Silva sem o acordo do relator do caso no tribunal regional federal, João Gebran Neto, ou ainda da pronúncia do plenário do Supremo Tribunal Federal.

 

"Se o julgador ou a autoridade policial cumprir a decisão da autoridade absolutamente incompetente, estará, concomitantemente, descumprindo a ordem e prisão exarada pelo colégio da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região", considerou o juiz de Porto Alegre, num despacho publicado este domingo, após a decisão de Rogério Favreto.

O jornal Folha de São Paulo recordava que Favreto defendeu a abertura de um processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro, por suposta parcialidade política. O juiz desembargador foi filiado no PT entre 1991 e 2010, e ocupou os cargos de assessor da Casa Civil do Presidente e do ministro da Justiça, Tarso Genro, durante o Governo de Lula da Silva. 

O desembargador emitiu então um segundo despacho reiterando a ordem exarada no alvará para a libertação de Lula da Silva, e determinando o seu cumprimento "imediato" pela polícia federal, "sob pena de responsabilização por descumprimento de ordem judicial, nos termos da legislação incidente".

Mas logo entrou em acção o juiz relator do caso, João Gebran Neto, instado por Sergio Moro. O magistrado decidiu suspender a ordem subscrita pelo desembargador Rogério Favreto que determinava a libertação do antigo Presidente, ainda no domingo. "Para evitar maior tumulto para a tramitação deste habeas corpus, e até porque a decisão proferida em carácter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo, em qualquer momento, determino que a autoridade coactora e a Polícia Federal do Paraná se abstenham de praticar qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8ª Turma do tribunal", escreveu Gebran, referindo-se à sentença de Lula.

Lula da Silva foi condenado no âmbito da Operação Lava-Jato, tendo começado em Abril a cumprir a pena depois de a sentença inicial ter sido confirmada em segunda instância, após um primeiro recurso. O Supremo acabou por aceitar a prisão do antigo Presidente antes que fossem esgotadas todas as possibilidades de recurso nas instâncias superiores.

No despacho da decisão, Fraveto deu razão aos deputados, afirmando que os recursos apresentados pela defesa de Lula foram indeferidos “sem a adequada fundamentação ou sequer análise dos pedidos”.

Além disso, o juiz diz que, desta vez, foram apresentados dados novos, nomeadamente o facto de Lula ser pré-candidato às eleições presidenciais brasileiras: “Tenho que o processo democrático das eleições deve oportunizar [sic] condições de igualdade de participação em todas as suas fases, com o objectivo de prestigiar a expressão de ideias e projectos a serem debatidos com a sociedade”, cita a Folha.

Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, a autorizar ou indeferir a candidatura de Lula da Silva é esperada no próximo mês. Juristas ouvidos pelo jornal Estado de São Paulo consideram que a situação de inelegibilidade do antigo Presidente, ao abrigo da lei da Ficha Limpa, se mantém inalterada mesmo que Lula saia da prisão: como apontaram, a decisão judicial deste domingo diz apenas respeito ao cumprimento da pena e não à sentença de condenação por corrupção.

Favreto utiliza ainda este argumento para justificar que a sua decisão não choca com a do Supremo, que negou o pedido da defesa para evitar a prisão depois de esgotados os recursos em segunda instância, pois, na altura, não foram analisados estes novos elementos.

O juiz afirma ainda que Lula foi alvo de “constantes violações de direitos constitucionais” ao serem-lhe recusados “diversos pedidos de visitas familiares, profissionais, institucionais e até espirituais”.

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