Estrangeiros: turistas sim, trabalhadores (ainda) não

Pela primeira vez desde a Troika, o número de imigrantes permanentes ultrapassou o número de emigrantes permanentes em Portugal.

Portugal está numa era de ouro ao nível do turismo. Segundo o INE, o número de turistas mais do que duplicou desde 1990 [1]. Se olharmos apenas para turistas que residem no estrangeiro esse número passou de 4,4 para 12,3 milhões. Leu bem, temos neste momento mais turistas que “vêm de fora” do que população residente no país. No entanto a taxa bruta de imigração continua a ser uma das mais baixas da Europa com 3,6 imigrantes permanentes por cada 1000 residentes, em 2017, – bem atrás do Luxemburgo que lidera a tabela com 39,2‰. Porque será?

O leitor mais céptico pode pensar que o número baixo representa a facilidade de adquirir nacionalidade Portuguesa. No entanto, entre os 28 países da União Europeia (UE) somos apenas o 15º com mais aquisições de nacionalidade por população residente [2]. Resta então tentar perceber o que leva o cidadão estrangeiro a gostar tanto do nosso país para o visitar, mas não o suficiente para trabalhar nele a longo prazo.

Na decisão de emigrar, a língua falada no país de destino torna-se um fator bastante relevante. Não é por acaso que os imigrantes oriundos do Brasil, Cabo Verde e Angola sempre predominaram na população estrangeira empregada em Portugal (35%) [3]. No entanto, são os Chineses quem domina o grupo que tem regime especial de autorização de residência para actividade de investimento (72%). Aliás, nos últimos anos tem-se verificado um aumento consistente de estrangeiros empregados em atividades de informação e comunicação [4], o que contribuiu para a excelente evolução de adultos em Portugal que sabe falar mais do que uma língua – de 2007 para 2016 passámos de 45% para 69%, ficando assim à frente da média da UE (65%) [5].

Para além do conhecimento da língua no país de destino para os imigrantes, importa ainda ter uma formação adequada ao tipo de trabalho que este oferece. Apesar do número de estudantes estrangeiros matriculados no ensino superior em Portugal ter vindo a aumentar – quadruplicou entre 2000 e 2016 – apenas 2.9% dos alunos nas licenciaturas e 6.1% nos mestrados eram estrangeiros, em 2015, ficando bem abaixo das médias europeias de 6.9% e 15.3%, respectivamente [6].

Associada a este factor está a falta de reconhecimento de qualificações profissionais adquiridas no estrangeiro. Este problema é particularmente grave em Medicina, onde a maioria dos especialistas fica restringida a serviços de Clínica Geral [7] Além disso, quase 40% dos estrangeiros com curso superior estão empregados em ocupações administrativas ou de qualificação inferior, enquanto essa percentagem para os portugueses é de apenas 25%.

Adicionalmente o imigrante em Portugal vê-se limitado em termos geográficos devido às raras comunidades estrangeiras enraizadas no nosso país. Tal se reflete numa forte correlação entre os distritos com mais imigrantes e os distritos com maior turismo (Lisboa e Faro) e ainda numa intensificação da segmentação dos sectores primário e secundário no interior e do sector terciário no litoral. Se por um lado os imigrantes menos qualificados contribuem marginalmente para a desertificação humana de distritos como Beja e Bragança, por outro lado a competição e o aumento do custo de vida nas grandes cidades do litoral dificultam a vida aos imigrantes mais qualificados nesses locais [8].

Em termos do acesso aos cuidados de saúde não é claro quais os documentos necessários para requerer cobertura e isenção dos custos. Tal fator torna-se relevante para os imigrantes que vêm à procura de trabalhos mais arriscados num país que ocupa o quinto lugar da Europa entre os países com maior taxa de incidência de sinistralidade laboral mortal [9]. É ainda um fator a ter em conta dado que a população residente estrangeira (3.8%) foi responsável por cerca de 9% dos nados-vivos em Portugal em 2016 [10].

Mas nem tudo são más notícias. Portugal ocupa neste momento o 2º lugar no Índice de Políticas de Integração de Imigrantes (MIPEX) [11] e, pela primeira vez desde a Troika, o número de imigrantes permanentes ultrapassou o número de emigrantes permanentes em Portugal. Não só pelo retorno de muitos emigrantes, mas sobretudo pelo aumento de 23% na imigração [12] Tal efeito estará provavelmente relacionado com a simplificação dos vistos de residência aprovada em Agosto do ano passado.

Esta medida, que exige apenas “uma promessa de contrato de trabalho”, já produziu um aumento significativo no número de pedidos de acordo com o SEF. Podemos ainda verificar que a população empregada estrangeira em Portugal subiu em relação ao ano anterior pela primeira vez na última década [13]. No entanto, importa continuar a seguir estes números uma vez que sendo Portugal um país com forte prevalência de contratos a prazo com baixa conversão em contratos permanentes, esta medida pode tornar-se numa ilusão de trabalho para imigrantes que queiram permanecer no país por um período mais longo. É por isso relevante continuar o investimento nos imigrantes que podem atenuar a diminuição da população Portuguesa que se tem verificado nos últimos anos.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

[1] Instituto Nacional de Estatística

[2] Em 2016, de cerca de 1 milhão de nacionalidades adquiridas na UE, apenas 25 mil foram para Portugal.

[3] Segundo o relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) publicado em 2016

[4] Informação publicada no relatório do Observatório das Migrações com os dados dos Quadros de Pessoal

[5] Segundo o Inquérito de Educação de Adultos do Eurostat

[6] Dados da Direcção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e da OCDE.

[7] [1] Link do artigo aqui.

[8] Ler este artigo para a evolução de população estrangeira noutros distritos do país.

[9] Dados do Eurostat em 2014 – 3.6 acidentes mortais por 100.000 trabalhadores.

[10] Ler este artigo para mais detalhe sobre a falta de acesso a cuidados médicos para imigrantes.

 [11] Índice que inclui 38 países: 28 da União Europeia, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Islândia, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Suíça e Turquia

[12] O número de imigrantes passou de 29 925 para 36 639 e o número de emigrantes passou de 38 273 para 31 753

[13] De 105.6 mil para 107.9 mil. Note no entanto que de 2015 para 2016 houve um ligeiro aumento de 0.09%

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