Profissionais reconhecem que sistema desencoraja queixas de vítimas de violência sexual

Estudo sobre atitudes de funcionários públicos quanto à violência sexual em relações de intimidade é apresentado esta quinta-feira na Maia. Profissionais de várias áreas não se sentem capacitados para lidar com casos e reclamam reforço do sistema.

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Paulo Pimenta

Quando confrontados com casos de violência doméstica, a maioria dos profissionais da Administração Pública - nas esquadras, hospitais, tribunais, escolas ou Segurança Social - não se sentiria preparada para lidar com os casos em que houve violência sexual. É uma das conclusões do estudo “Crenças e atitudes dos profissionais quanto à violência sexual nas relações de intimidade”, levado a cabo por um conjunto de investigadoras lideradas por Sofia Neves, do Instituto Universitário da Maia (ISMAI), que será apresentado nesta quinta-feira

Para grande parte dos profissionais, lê-se na síntese do estudo a que o PÚBLICO teve acesso, esta forma de violência íntima “praticada sobretudo no contexto do casamento e do namoro” é vista como um tema “complexo e de difícil abordagem”. Um questionário respondido por 795 funcionários em cinco áreas (saúde, justiça, segurança social, educação e forças de segurança) mostra que metade dos inquiridos acredita que “a intervenção levada a cabo pelas instituições onde trabalham não é eficaz”, enquanto 70% responderam que “as mesmas não dispõem de recursos humanos adequados”.

Já entre 277 profissionais que participaram em 28 grupos de discussão, o sistema público é descrito de um modo geral como “desumanizado e inoperante, não garantindo a efectiva protecção das vítimas e, mais do que isso, deixando-as ainda mais vulneráveis”. Esta falta de preparação é mesmo referida por alguns como justificação para a resistência das vítimas em denunciar esta forma particular de violência doméstica. Mas para estes profissionais, como explica Sofia Neves, a solução passaria “pela efectiva melhoria do sistema de protecção”, com as respostas a mostrar que consideram importante que as vítimas não deixem de denunciar.

Este diagnóstico é o primeiro passo do projecto “Violência Sexual nas Relações de Intimidade” (VSRI), liderado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e financiado pela Comissão Europeia, e servirá de base para a construção de uma estratégia para capacitar profissionais do sistema público até ao final de 2019. É preciso que estes profissionais “reconheçam, no contexto da sua intervenção, a problemática da violência sexual nas relações de intimidade”, no sentido de adequarem as suas atitudes e respostas, diz também Marta Silva, que lidera o Núcleo de Prevenção da Violência Doméstica e Violência de Género da CIG. A violência doméstica é crime público há quase duas décadas, mas ainda é “tida e abordada” pelos profissionais “como um assunto do foro privado” - e, quando também envolve violência sexual, “reveste-se ainda de um maior secretismo”. 

Os resultados mostram que os estereótipos também estão à espreita: nos inquéritos, "cerca de 9% concordam que em casos de denúncia de violência doméstica as mulheres tendem a afirmar ter sido vítimas de violência sexual sem o terem sido", refere a síntese. Mas para Sofia Neves, "a percentagem de profissionais a concordar com esta afirmação é baixa, o que sugere que a desconfiança não é generalizada". No extremo oposto, entre os que estão “mais correctamente informados sobre o tema" estão profissionais do sexo feminino, com formação específica em violência sexual, com níveis mais elevados de ensino e que têm contacto directo com as vítimas. "Este aspecto da especialização é um dos mais determinantes na eficácia da intervenção" nestes casos, sublinha a coordenadora do estudo. 

Os resultados serão apresentados, no ISMAI, na abertura de um seminário dedicado ao tema do projecto, onde também será apresentado o centro de apoio especializado para vítimas de violência sexual que será coordenado pela UMAR no Porto. O programa prevê uma sessão de trabalho em grupos para recolher “contributos para o desenho da formação na área da VSRI para profissionais da Administração Pública”. A partir daqui, o projecto será desenhado de forma adequada a cada uma das cinco áreas sectoriais, em função das características e necessidades identificadas.

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