Ainda sem festa, Lisboa e Maputo reactivam diálogo e assinam dez acordos

Há quatro anos que não havia cimeira bilateral entre Portugal e Moçambique. Não se espera o "banquete" de acordos de 2014 e ainda não é "business as usual", mas vão ser assinados dez documentos.

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Numa reaproximação prudente e sem o ambiente de festa esperado nos encontros entre "países irmãos", os governos de Portugal e de Moçambique retomam nesta quinta-feira em Maputo as cimeiras bilaterais, após dois anos de um mal-estar diplomático profundo.

A III Cimeira Luso-Moçambicana reúne durante dois dias o primeiro-ministro português, António Costa, e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, estando cada um acompanhado por alguns ministros de peso, como Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros português, e Jaime Basílio Monteiro, ministro do Interior moçambicano.

Está prevista a assinatura de dez instrumentos bilaterais, entre os quais acordos, protocolos e programas de cooperação, memorandos de entendimento e planos de implementação, mas não será o "banquete" da última cimeira bilateral, em 2014, quando foram assinados 19 documentos.

Dos dez cuja assinatura está prevista em Maputo, alguns vêm dar corpo a consensos antigos, como o acordo administrativo para regular a convenção de 2010 sobre portabilidade de direitos de segurança social — de modo a que os cidadãos não percam as reformas quando mudam de Portugal para Moçambique e vice-versa. Oito anos depois, esta é uma notícia esperada por 20 mil portugueses em Moçambique e 2900 moçambicanos residentes em Portugal.

Do mesmo modo, nas últimas semanas estiveram a ser afinadas as novas regras — em particular com prazos mais flexíveis — para o uso de duas linhas de crédito e dois fundos de investimento em Moçambique, que estavam adormecidos há anos. Juntos, representam mais de 150 milhões de euros. O uso deste dinheiro terá custos para o Estado português, mas esse facto é atenuado pelo facto de os dois lados ganharem, disse ao PÚBLICO fonte próxima do processo: têm acesso ao crédito e aos fundos apenas empresas portuguesas que queiram investir em Moçambique.

Esperam-se também acordos de cooperação em diversas áreas, muitos dos quais incluem formação de moçambicanos. São os casos do mar (transportes marítimos e trabalhos portuários), infra-estruturas, turismo, bombeiros e polícias. No ano passado, Portugal assinou com Moçambique um novo Plano Estratégico de Cooperação (PEC), que tem a educação como um dos três grandes eixos.

Sinal de que os dois governos decidiram tentar melhorar as relações bilaterais, deverá também ser assinado um memorando de entendimento que prevê que os chefes da diplomacia dos dois países se sentem à mesma mesa pelo menos uma vez por ano.

Os "fortes laços de amizade" entre Portugal e Moçambique, como é sempre dito nos discursos oficiais, continuam, no entanto, ensombrados por vários "irritantes", a palavra que diplomatas e políticos usam para evitar dizer "problemas muito graves".

A opacidade e o esplendor

A diplomacia e o Governo portugueses estão entre a espada e a parede. Por um lado, Moçambique representa a opacidade. É o país que há dois anos não dá respostas satisfatórias e transparentes sobre o que sabe e o que fez para encontrar Américo Sebastião, um empresário português raptado na Beira, no centro de Moçambique, em Julho de 2016, ignorando de forma sistemática e ostensiva os pedidos de informação enviados por todos os níveis da hierarquia portuguesa, da embaixadora de Portugal em Moçambique, Maria Amélia Paiva, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. E é o país que fez desaparecer dois mil milhões de dólares dos cofres públicos, sem que tal tenha até hoje provocado consequências na justiça.

Por outro lado, Moçambique representa o esplendor futuro ou, pelo menos, a possibilidade de um esplendor. As propostas de investimento nos hidrocarbonetos estão há anos num pára-arranca, mas são reais e representam negócios de biliões. Já não há o entusiasmo que se sentia quando foram descobertas reservas de gás no norte do país e gigantes como a Anadarko, em "negociações avançadas" com o Governo para começar a exploração desde 2014, acabam de adiar "as decisões de investimento" para 2019. Mas muitos países estão atentos e ainda não desistiram. "Portugal tem de posicionar-se, não pode estar eternamente de costas voltadas para Moçambique", diz um diplomata. Por isso, também, acabou por concordar com a cimeira, muito impulsionada por Moçambique, particularmente interessado em normalizar as relações, como parte do esforço para recuperar alguma reputação internacional.

Para Portugal, há três grandes preocupações em relação a esta ex-colónia: o ambiente de negócios (pouca credibilidade e previsibilidade, frágil sistema de justiça e funcionamento deficitário das alfândegas), as finanças públicas (que vai além do escândalo da dívida pública oculta) e a segurança da comunidade portuguesa.

Neste último aspecto, é previsível que António Costa faça perguntas a Nyusi e Basílio Monteiro sobre o desaparecimento do empresário Américo Sebastião, cuja mulher, residente em Portugal, disse esta semana ter "uma esperança muito grande" no diálogo entre os líderes políticos. "Não vai ser uma cimeira business as usual", diz um diplomata. "Há festa, mas a festa não é como dantes. O momento é de contenção."

O PÚBLICO viajou a convite da Ferpinta

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