Havai proíbe protectores solares químicos para proteger os recifes de coral

Indústria cosmética e médicos dermatologistas criticam a medida, receando uma menor utilização de protecção solar e um aumento dos índices de cancro na pele.

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Os recifes de coral são essenciais à vida marinha, servindo de habitat e alimento a várias espécies David Gray/REUTERS

O Havai tornou-se esta semana no primeiro estado norte-americano a proibir a venda e distribuição de protectores solares que tenham na sua composição substâncias químicas prejudiciais aos recifes de coral. Na terça-feira, o governador do Havai, David Ige, promulgou uma lei que tinha sido aprovada em Maio no senado estadual, e que entrará em vigor até 2021. 

A oxibenzona e o metoxicinamato de octila – presentes em cerca de 70% dos protectores solares nos Estados Unidos –, são os dois compostos químicos em questão que interferem no desenvolvimento e sobrevivência dos corais. "Este é apenas um pequeno passo para proteger e restaurar a resistência dos recifes do Havai", disse Ige, citado pelo diário Washington Post

A lei, que implicará a retirada destes protectores solares das prateleiras dos supermercados (limitando a sua utilização apenas aos casos em que houver uma receita médica), expressa que aqueles químicos "têm impactos prejudiciais significativos no ambiente marinho e nos ecossistemas" do Havai, chegando aos oceanos tanto através dos banhos nas praias como do escoamento de águas residuais.

A medida enfrenta contudo a oposição de várias associações empresariais e representantes da área da saúde (incluindo médicos dermatologistas), que alertam para o risco de haver uma redução da utilização de protecção solar, sobretudo se não houver uma alternativa barata e acessível aos produtos retirados do mercado.

Sem surpresa, as reacções mais negativas surgem da parte da indústria cosmética e farmacêutica. A Bayer, por exemplo, disse num comunicado citado pelo Washington Post que "eliminar o uso de protectores solares considerados seguros e eficazes pela FDA (Food and Drug Administration, a autoridade alimentar e farmacêutica dos EUA), com uma longa história de consumo, não só restringe a escolha do consumidor, como também vai contra os esforços de prevenção do cancro da pele". Posição semelhante têm a Johnson & Johnson e a associação norte-americana do sector, que afirmam que está em causa "a saúde, segurança e bem-estar de milhões de residentes e de turistas no Havai".

A Academia Americana de Dermatologia, segundo a estação CNN, também argumenta que as restrições a serem impostas no Havai podem levar a um aumento do melanoma (um tipo de cancro de pele particularmente agressivo e fatal). A organização recorda que a incidência da doença no Havai já é 30% superior à média nacional norte-americana. 

A alternativa aos protectores solares agora banidos passa por produtos biodegradáveis com compostos minerais (como o óxido de zinco e o dióxido de titânio), em vez de bloqueadores químicos. Os protectores minerais actuam como uma barreira física e reflectem a luz solar, em vez de absorverem os raios solares. Em todo o caso, não está cientificamente afastada a possibilidade de as nanopartículas minerais serem igualmente prejudiciais para o ambiente.

Um ecossistema rico

O senador Mike Gabbard, que propôs a lei, explicou ao jornal local Honolulu Star-Advertiser que esta "fará uma enorme diferença na protecção dos recifes de corais, da vida marinha e da saúde humana". "Obviamente não teremos polícia na praia a passar multas", esclareceu Gabbard à rádio pública NPR, sublinhando que o objectivo passa essencialmente pela consciencialização do público para a questão ambiental.

Gabbard considerou ainda a lei "inédita no mundo", mas na verdade já existem proibições semelhantes no México e noutros países da América Central e das Caraíbas.

Um estudo realizado em 2015 pelo biólogo Craig Downs, director do Haereticus Environmental Lab (organização científica sem fins lucrativos) foi um de vários a apontar o efeito de compostos químicos presentes em produtos como os protectores solares no fenómeno de branqueamento dos corais, assim como os danos causados. Os corais, recorde-se, estão morrer a um ritmo sem precedentes em todo o mundo. 

Downs apontou sobretudo a forma como as substâncias químicas em causa perturbam a relação entre os corais e as algas (que desempenham um papel fundamental na nutrição dos recifes) e as primeiras fases do desenvolvimento dos corais, acabando por conduzi-los à morte.

Um relatório recente da International Coral Reef Initiative também indica que "alguns produtos químicos de protecção solar, em certas situações, fazem com que as larvas de coral parem de nadar, mudem de forma e, por último, morram", com a oxibenzona em particular a desregular o sistema endócrino dos jovens corais.

Os recifes de coral são extremamente importantes, proporcionando uma protecção costeira contra a erosão, além de servirem de habitat e local de alimentação para inúmeras espécies. Segundo o Museu Nacional de História Natural Smithsonian de Washington, nos EUA, os corais têm ainda um impacto na economia mundial de cerca de 30 mil milhões de dólares por ano, seja por via do turismo, como por via dos produtos alimentares e farmacêuticos gerados.

Texto editado por Pedro Guerreiro

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