Discussão sobre direitos de autor aquece em véspera de votação

A Wikipedia faz campanha contra os filtros na Internet, enquanto músicos conhecidos falam de uma campanha de desinformação para evitar pagar a artistas

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Os filtros de conteúdo são uma das medidas mais polémicas Paulo Pimenta

A menos de um dia da votação do Parlamento Europeu sobre a reforma dos direitos de autor no espaço digital, apoiantes e críticos da nova legislação – controversa por querer filtros para impedir a publicação de conteúdo pirateado – tentam convencer eleitores a pedir mais uma vez aos seus eurodeputados a votar naquilo que acreditam ser a melhor decisão.

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A menos de um dia da votação do Parlamento Europeu sobre a reforma dos direitos de autor no espaço digital, apoiantes e críticos da nova legislação – controversa por querer filtros para impedir a publicação de conteúdo pirateado – tentam convencer eleitores a pedir mais uma vez aos seus eurodeputados a votar naquilo que acreditam ser a melhor decisão.

A campanha final contra as regras é marcada pelos protestos da Wikipedia (que em Itália decidiu ficar temporariamente inacessível) e pelo alerta de Tim Berners-Lee, o engenheiro britânico que inventou a World Wide Web, que notam que as mudanças podem simbolizar “o fim da Internet livre” ao monitorizar o conteúdo que é colocado online.

A favor de um sistema de controlo dos conteúdos estão músicos como Paul McCartney, Ennio Morricone, Björn Ulvaeus e Benny Andersson, que escreveram cartas a apoiar a proposta e a acusar “tecnopólios” de promoverem campanhas de desinformação para evitar pagar o trabalho dos artistas.

A votação é nesta quinta-feira. Se a proposta actual não passar, volta a ser debatida em plenário em Setembro. Caso contrário, o Parlamento seguirá o processo legislativo com as outras instituições da União Europeia. 

Entre as regras mais polémicas, está a introdução de sistemas de identificação de conteúdo para barrar conteúdo pirateado de circular, e a possibilidade de os media licenciarem o conteúdo para plataformas de agregação como o Google News, que poderão ter de pagar uma taxa para partilhar excertos de artigos noticiosos.

“O objectivo não é acabar com a Internet”, insistiu, várias vezes, Axel Voss, o actual relator da proposta (que introduziu emendas à versão original da Comissão Europeia), durante uma conferência de imprensa no Parlamento Europeu, esta quarta-feira. A última sessão de esclarecimento antes da votação foi marcada por acusações de que gigantes tecnológicos (em particular, o Google, o Facebook e a Amazon) estão a desencadear campanhas de desinformação na Internet ao argumentar que a Wikipedia corre perigo.

“No Twitter, acusam-me de ser contra a liberdade”, queixou-se a eurodeputada francesa Virginie Rozière, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, o grupo do Parlamento Europeu de que o PS faz parte. “Este debate está a atingir um nível de intensidade e violência verbal enorme. Ouvi sobre ameaças de morte. Vá lá, do que é que estamos a falar? Isto está a ir longe demais.”

Desde terça-feira que circula na enciclopédia online uma faixa negra a avisar que a proposta “ameaça a liberdade online e cria obstáculos para aceder à Web, impondo novas barreiras, filtros e restrições”. Parte da preocupação é a possibilidade dos sistemas automáticos propostos com o artigo 13.º poderem falhar em compreender o que é paródia, o que é uma citação, e o que é uma verdadeira infracção aos direitos de autor. Em Itália, o site da Wikipedia está mesmo barrado, em protesto, e os utilizadores são motivados a enviarem cartas aos seus eurodeputados a pedirem-lhes para votar contra a proposta. É algo que Voss descreve como excessivo.

A socialista portuguesa Ana Gomes defende, porém, que o problema da desinformação está dos dois lados. “Têm existido campanhas e muita informação que confunde as pessoas. É um tema que necessita de uma ponderação mais aturada, mais debate e uma posição mais equilibrada”, diz ao PÚBLICO a eurodeputada, que está contra a actual versão do artigo 13.º e vai votar contra esta quinta-feira. O problema, defende, é o “esquema automático de algoritmos” que se quer impor, algo que não faz parte da alternativa sugerida pela Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (LIBE), em que participa. “Os autores têm de ser pagos, mas não em troca da filtração. Não podemos pôr a decisão nas mãos de algoritmos automáticos que não sabemos como funcionam. Isso é inaceitável.”

Para os eurodeputados responsáveis pelas novas regras, no entanto, o debate é enviesado com o argumento de que enciclopédias e sites educativos podem ser afectados pelos sistemas. “Nós limitámos o impacto do artigo 13.º para se dirigir apenas a plataformas comerciais com um papel activo na partilha de conteúdo”, disse Axel Voss na conferência de imprensa. Nas reformas ao documento (aprovadas, na semana passada, pela Comissão dos Assuntos Jurídicos) lê-se que “serviços não-comerciais tais como uma enciclopédia online, ou serviços em que o conteúdo é actualizado com a autorização dos autores, como repositórios educativos ou científicos, não devem ser considerados”. A lista exclui ainda serviços de partilha de ficheiros privados (por exemplo, na nuvem), sites cujo principal objectivo é vender bens, e programas em código aberto.

“A Internet não pode ser um mundo sem lei”, diz ao PÚBLICO Carlos Coelho, eurodeputado social-democrata português. Tal como Axel Voss, Coelho admite já ter recebido imensos emails de pessoas com medo do fim da Internet. Ninguém vai ser impedido de colocar as suas coisas na Internet, garante. “O que nós estamos a dizer é que algumas plataformas, e apenas as plataformas que fazem a partilha de conteúdo, têm de ter a garantia que os conteúdos que são carregados não violam os direitos de autor.”

O PÚBLICO viajou a convite do Parlamento Europeu