Acabemos com as confusões: o que é que, no caso Paulo Pedroso, o TEDH disse realmente?

Não houve nunca – no princípio, no meio ou no fim do processo – qualquer fundamento para que tivesse sido aplicada a prisão preventiva.

O meu ilustre colega, Dr. Francisco Teixeira da Mota, na sua apreciada crónica que publica regularmente no PÚBLICO, exprimiu, no número de 29 de Junho de 2018, um juízo sobre o que, em seu entender, o TEDH teria decidido, in casu, em relação ao Dr. Paulo Pedroso, o qual em um dos seus segmentos é susceptível de causar confusão sobre o teor do veredicto formulado pelos juízes de Estrasburgo.

A formulação ali adoptada – quiçá involuntariamente – é susceptível de induzir, na mente de um leitor menos precavido ou menos conhecedor do processado, a ideia de que o TEDH tenha entendido ou admitido que em algum momento, designadamente no início do processo, a prisão preventiva pudesse ter tido justificação plausível, mesmo que tal juízo se apresente envolto na aleatória incerteza da eventualidade. Nada disso, porém, sucedeu.

Em 08.10.03, o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a libertação do Dr. Paulo Pedroso, por não existir nenhum elemento que tivesse justificado a aplicação da prisão preventiva: nem o elemento substantivo primacial do art.º 202, n.º 1, do CPP (indícios fortes da prática de um crime) nem nenhum dos pressupostos adjectivos do art.º 204 daquele mesmo Diploma Legal que haviam sido invocados no despacho determinativo da prisão (perigo de perturbação do inquérito ou da instrução e, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, previstas respectivamente nas alíneas b) e c) do referido art.º 204 do CPP).

Deve esclarecer-se que este acórdão da Relação de Lisboa, que transitou em julgado e definiu definitivamente a situação processual do então arguido nos moldes atrás descritos, analisou e pronunciou-se sobre a situação do arguido ab initio, exactamente desde o momento processual em que foi decretada a prisão preventiva, conforme aliás lhe fora pedido, tendo a tal propósito decidido que o Sr. Juiz de Instrução, logo no momento da aplicação da prisão – tal como no decorrer ulterior do processo –, actuou ilegalmente, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, em violação dos preceitos normativos aplicáveis à situação pelo nosso ordenamento jurídico.

Ora é o teor integral deste acórdão que o TEDH acolhe e sufraga, aceitando pois que não houve nunca – no princípio, no meio ou no fim do processo, sequer vislumbrado nas hipóteses aleatórias da eventualidade mais inventiva – qualquer fundamento para que tivesse sido aplicada a prisão preventiva ao Dr. Paulo Pedroso.

Assim, no ponto 108 do acórdão, os sete juízes de Estrasburgo, por unanimidade, expressam a sua convergência com o teor do acórdão da Relação de Lisboa de 08.10.03 a que acima nos referimos, o qual, na ordem interna, tinha já decidido definitivamente a falta de fundamento para aplicação e manutenção da situação de prisão preventiva.

O facto de o TEDH se ter debruçado sobre o despacho de 15.07.03 resulta de ter sido deste – do primeiro recusara-se o mesmo Tribunal da Relação (secção diferente) a conhecer – que se interpôs o recurso que, visando a apreciação da situação desde o início, veio a desaguar no acórdão revogatório de 08.10.03, o qual, como se disse, apreciou e julgou a (i)legalidade do despacho determinativo da prisão, declarando então resultar "por demais evidente que todos os indícios recolhidos são claramente insuficientes para imputar ao arguido a prática de qualquer crime concreto".

É por isso que os juízes de Estrasburgo declaram expressamente que os motivos invocados para justificar a privação da liberdade (usurpada ao arguido desde 22.05.03) "não eram pertinentes nem suficientes", remetendo expressamente a fundamentação desse juízo para o teor do acórdão da Relação de Lisboa de 08.10.03 (cfr. ponto 108 do acórdão).

A confusão que se pretende ver eliminada com o presente esclarecimento – quiçá resultado de formulação escrita menos feliz – poderá ter resultado do facto de o TEDH, para reforçar o seu juízo de violação do art.º 5.º, 1.º da Convenção, ter adiantado que, mesmo que porventura tivessem existido indícios à data da aplicação da prisão, o juízo de ilegalidade se manteria.

É verdade que o tribunal europeu também critica as autoridades judiciárias portuguesas por não terem equacionado a aplicação de medidas alternativas à prisão preventiva. Mas tal crítica não é dirigida com base na consideração de a sua manutenção, a partir de um ou qualquer momento, deixar de se justificar, mas antes, inteiramente ao contrário, pelo facto de ela nunca ter tido justificação.

A nossa intervenção tornou-se necessária porquanto, auferindo justamente os textos do articulista em questão de interesse indubitável, seguidos aliás com admiração pelo autor destas linhas, mais perigosa se torna a informação inexacta, precisamente por provir de fonte cuja credibilidade e competência são manifestas.

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