João Lourenço pede ajuda à Europa para África ser capaz de reter a sua população

Numa visita ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o Presidente de Angola manifestou sintonia com os líderes europeus que estão preocupados com a questão das migrações. A solução para travar os fluxos através do Mediterrâneo passa por um novo Plano Marshall para o continente.

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João Lourenço Vincent Kessler/Reuters

Em Estrasburgo para um discurso perante a sessão solene do Parlamento Europeu, o Presidente de Angola, João Lourenço, assumiu-se como porta-voz das preocupações dos líderes africanos que “não querem ver os seus filhos abandonar o país, em condições desumanas e com perdas de vidas humanas durante a travessia para a Europa”, para se referir à questão das migrações e defender uma solução que a chanceler alemã, Angela Merkel, já descreveu como um novo “Plano Marshall” para África.

Lourenço dirigiu-se aos europeus numa posição de relativo conforto moral, beneficiando do facto de não ser líder de um dos países africanos na linha da frente dos fluxos de candidatos a asilo no Mediterrâneo: o Presidente angolano pôde posicionar-se como um mediador e interlocutor privilegiado para os decisores europeus que estão inquietos com os grandes temas de segurança, protecção de fronteiras e migrações, mas profundamente divididos em relação às respostas para a crise.

“As soluções não são imediatas e nem serão encontradas apenas com um país, isoladamente. São os dois continentes, África e Europa, que devem juntos encontrar soluções que sejam duradouras”, considerou João Lourenço, que sem nunca se referir especificamente às propostas que têm saído tanto da Comissão como do Conselho Europeu para o reforço do apoio ao desenvolvimento em África, precisou o que entende por “soluções duradouras”. São aquelas que “garantem o desenvolvimento do continente, a criação de emprego, de riqueza e de estabilidade”.

“Há soluções que são de duração efémera, e não é dessas que estamos à procura”, distingiu. João Lourenço não esclareceu quais, mas ficou subentendido que estaria a falar nos controversos planos para a criação de plataformas de desembarque regionais — porventura ao longo da costa Norte africana — ou a multiplicação de “centros controlados” onde os candidatos a asilo permanecerão enquanto decorre o processo de avaliação do seu pedido de protecção em território europeu.

“É nesta conformidade que apelamos à UE para estabelecer com o nosso continente um modelo de cooperação que a médio e longo prazo possa contribuir para reverter o actual quadro”, disse. Na sua opinião, a pressão migratória só será diminuída “num quadro multilateral e tendo a consciência de que a solução não será encontrada ao fim de dois ou três anos, mas levará mais tempo”.

A mensagem de Lourenço foi de que os africanos estão em sintonia com os europeus e entendem que a situação actual no Mediterrâneo é insustentável — mas não estão satisfeitos com algumas das respostas em cima da mesa para travar os movimentos de pessoas desesperadas por uma vida melhor. “Todos nós nos sentimos envergonhados com o que se está a passar neste momento. Imigrações sempre houve no mundo, mas não nestas condições: ninguém quer que os filhos da sua pátria e do seu continente passem por uma privação tão grande quanto esta”, afirmou o Presidente angolano aos jornalistas, no final da sua intervenção.

No hemiciclo, tinha confessado aos eurodeputados — que aplaudiram o seu discurso de pé — como era “triste e revoltante” verificar que “seis séculos depois de os filhos de África terem sido levados em condições degradantes em navios negreiros para as Américas, onde na condição de escravos  contribuíram para o florescimento de grandes economias”, o continente estar agora a perder a sua população, por causa dos “conflitos armados, da fome e da miséria”.

Lourenço contestou que esses africanos sejam “emigrantes que vão para a Europa de forma voluntária”, como alegam os lideres europeus que querem impedir os candidatos a asilo de entrar na UE. Mas concedeu que seria do interesse de todos que estas populações pudessem ser retidas em África, “através de uma maior oferta de emprego e de melhores condições de vida no geral”.

Angola mais aberta ao mundo

Segundo explicou, essa é a estratégia do seu Governo e do seu país, que “conta com a UE como um importante parceiro para superar os constrangimentos que a economia ainda enfrenta”, como por exemplo a dependência do sector petrolífero ou a dificuldade em atrair investimento estrangeiro. “Acreditem que Angola se tornou, nos últimos meses, um país mais aberto ao mundo e por isso mais amigo do investimento”, frisou João Lourenço, elencando uma série de medidas económicas que tomou desde que assumiu o poder, em Setembro de 2017.

“O executivo que dirijo tem focado a sua atenção na implementação de programas de estabilização macroeconómica e de consolidação fiscal”, apontou. E tem levado a cabo uma “verdadeira cruzada contra a corrupção e a impunidade em toda a sociedade, com destaque para os crimes de colarinho branco”, acrescentou.

A eurodeputada socialista, Ana Gomes, gostou que o líder angolano se tivesse referido à luta contra a corrupção como uma prioridade, “mas a grande questão é passar da palavra aos actos”, considerou. “O grande desafio é levar isto à prática em Angola, porque sabemos que o país foi minado pela corrupção. Há uma série de casos herdados pelo Presidente João Lourenço que deveriam ser esclarecidos. A grande duvida é se há condições para a justiça funcionar, não obstante a vontade do Presidente”, disse.

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