Happy birthday, Mr. Mayor

É mesmo assim que se fazem as coisas em Portugal. Com muita amizade. Muita improvisação. E muita música.

Tempos houve em que o país gastava milhões a tentar convencer o mundo a visitar Portugal. Hoje em dia o mundo não quer outra coisa. Com a ajuda do Estado Islâmico, que deu cabo do turismo em boa parte de África e da Ásia; das companhias low-cost que transformaram os aviões em autocarros de carreira com asas (é um elogio); dos Airbnb e seus derivados; dos privilégios fiscais para reformados estrangeiros que encontraram aqui a Miami do sul da Europa; e também de algumas estrelas de Hollywood que descobriram que o país era, de facto, very beautiful, Lisboa está que não se pode – e a mesma pátria que ainda há pouco tempo se deslumbrava com a presença de Madonna, agora fica em estado catatónico quando descobre que a Câmara de Lisboa lhe ofereceu 15 lugares de estacionamento nas traseiras de um dos seus palácios.

Quem tem razão, afinal: a Câmara de Lisboa e Madonna ou os lisboetas zangados? Infelizmente, sou obrigado a dar razão aos lisboetas zangados. E digo “infelizmente” porque, da mesma forma que uma câmara municipal pode atribuir benefícios a uma empresa que decide instalar-se no seu parque industrial, também admito perfeitamente que ela atribua certos privilégios a uma estrela de Hollywood com 11 milhões de seguidores no Instagram e 18 milhões no Facebook. Eu acredito na igualdade, com certeza, mas de oportunidades, e por isso entendo que tentar cativar quem, vindo do nada, se tornou a maior estrela pop planetária é um investimento como qualquer outro. Quinze lugares de estacionamento em troca de centenas de posts que valem milhões em publicidade ao país parece-me um negócio razoável.

Onde deixa de ser razoável é no passo seguinte: é que não chegou a haver qualquer negócio, mas apenas o bom e velho amiguismo nacional. A forma completamente discricionária e informal como as coisas são feitas acaba por tornar a prebenda camarária impossível de engolir. Não havendo boas práticas, é tudo feito consoante o prestígio do freguês: para Madonna tudo; para o anónimo lisboeta nada. E, naturalmente, o anónimo lisboeta não gosta.

Quinze lugares de estacionamento têm um poder de irritação muito superior a benefícios fiscais de milhões de euros, pela simples razão de que milhões de euros são uma realidade abstracta e procurar um lugar em Santos é uma realidade muito concreta. Qualquer lisboeta já andou desesperado em busca de um buraquito na rua das Janelas Verdes, o que se traduziu em voltas e reviravoltas, e quem sabe multas e reboques da EMEL. E tudo porque faltou ao anónimo lisboeta o número de telefone de Fernando Medina e a chave do cadeado para as traseiras do Palácio Pombal, que pelos vistos disponibiliza lugares de parqueamento a 48 euros por mês (720 euros mensais para 15 viaturas – grande negócio) numa das zonas mais nobres da capital. Também posso ter um para mim?

Não posso, claro, e também não estou a dizer que seja suposto ter – mas é suposto que estas coisas sejam feitas com um mínimo de transparência, e não excogitando um contrato de 720 euros mensais a um domingo depois de a notícia ser dada pelo Expresso, contrato esse que o gabinete de Medina declarou só poder ser mostrado na segunda-feira porque os serviços camarários estão fechados. Está bem, abelha. Se um dia destes Madonna aparecer na festa de aniversário de Fernando Medina a cantar “Happy birthday, Mr. Mayor”, não vale sequer a pena estranhar. É mesmo assim que se fazem as coisas em Portugal. Com muita amizade. Muita improvisação. E muita música.

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