Sub-30: Horácio Ferreira e um clarinete que passa todas estas sensações

“A que é que soa um clarinete?”, vai repetindo Horácio Ferreira. “Nunca tinha pensado nisso”, ri-se, a olhar para o que tem nas mãos. Parece impossível: afinal, o clarinetista ouve o instrumento de sopro todos os dias desde que, aos 14 anos, decidiu que ia ser músico profissional. Agora, aos 29, é solista, toca por toda a Europa e já se apresentou nos Estados Unidos da América, Canadá, Brasil e China. É uma rising star (“estrela em ascensão”, em português). As palavras não são nossas, nem dele — o título foi-lhe dado em 2017 pela European Concert Hall Organisation (ECHO) que, desde 1995, escolhe um grupo de artistas para uma digressão pelas principais salas de concertos europeias.

Na temporada de 2016/2017, um dos mais “promissores clarinetistas da sua geração” (mais uma vez, palavras da ECHO) juntou-se a outros quatro solistas e a um quarteto de cordas que também actuaram em Portugal, na Casa da Música. “Pela primeira vez tive um ano preenchido de concertos, com muita antecedência, o que não é normal em Portugal”, conta. “Isso permite pensar a longo prazo e pensar em cada performance de forma única, também." Já este ano, por cá, ganhou o Prémio Novos Talentos Ageas, acompanhado pelo pianista e amigo Bernardo Soares, com quem também tocou neste vídeo para o P3.

“O que é engraçado”, confessa-se, “é que o clarinete nem sequer era a primeira opção”. Queria ser saxofonista. A carreira de Horácio teve um início comum à de muitos jovens de pequenas localidades, como Pinheiro de Ázere, a freguesia de Santa Comba Dão, Viseu, de onde é natural. “Não há grandes alternativas para um jovem que vem do interior do país fazer”, diz. “Na altura podia ter ido para o futebol, mas fui apenas para a banda filarmónica”, ri-se. E quando ele tinha oito anos, na Sociedade Filarmónica Lealdade Pinheirense, “precisavam era de um clarinetista”.

Foi sozinho viver para Espinho aos 14 anos, para estudar na Escola Profissional de Música (curiosamente, hoje já existe uma escola de música em Santa Comba Dão). Licenciou-se na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE), no Porto, estudou na Escuela Superior de Música Reina Sofía, em Madrid, e também em Paris. Já tocou com as orquestras da Gulbenkian, da Casa da Música, de Cascais e Oeiras, de Colónia, na Orquestra XXI, a Filarmonia das Beiras, a Filarmónica Checa, a Música Humana Orchestra e o Novus String Quartet. “Não há muito espaço para fazermos uma carreira só em Portugal”, comenta. “Posso mesmo dizer que se calhar é impossível ter uma carreira de solista em Portugal."

Perguntamos outra vez: “A que é que soa um clarinete?”. “Um clarinete é um instrumento bastante sensível”, começa, sem conseguir disfarçar o sorriso. “Combina um timbre doce com um timbre extremamente estridente, até agressivo. E acho que isso é enriquecedor, porque nós gostamos de viver diferentes experiências e sensações.” Na música ou na vida? Para alguns, não há diferença entre as duas.

Horácio Ferreira é um dos protagonistas da série Sub-30, em que o P3 vai dar a conhecer jovens músicos portugueses.