Alemanha 2006 vai continuar a ser o grande Mundial de Ronaldo

Capitão português trouxe espectacularidade e qualidade à campanha na Rússia, mas não esteve rodeado por um grande elenco.

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Cristiano Ronaldo LUSA/FRIEDEMANN VOGEL

Não houve Mundial como o primeiro da era Cristiano Ronaldo. Com 21 anos, a estrela portuguesa coincidiu com alguns dos grandes artistas da intitulada geração de ouro do futebol português e chegou ao quarto lugar na Alemanha, em 2006.

O que se seguiu não foi famoso. A selecção ficou-se pelos oitavos-de-final na África do Sul, em 2010, e não foi mais longe agora. Pelo meio, a desilusão foi completa, no Brasil, em 2014, quando nem ultrapassou a fase de grupos. Na Rússia, o melhor do mundo terá sempre o primeiro jogo em Sochi e os três golos que empataram a Espanha. 

Um arranque fantástico de CR7, que seria novamente fundamental na partida seguinte, frente a Marrocos, onde voltou a marcar e a salvar Portugal na pior exibição da equipa no torneio. Nos dois últimos encontros regressou à sua condição humana e a selecção ressentiu-se. Frente ao Uruguai foi impotente para travar a alma sul-americana e a sua muralha defensiva. Soube a pouco depois de ter aberto tanto o apetite nacional. O seu rosto desesperado nos instantes finais era revelador da frustração.

Ronaldo chegou à Rússia determinado em fazer história com a selecção. Aos 33 anos, esta seria a derradeira oportunidade de brilhar ao mais alto nível com o seu país no grande palco mundial do futebol, tal como fez em França, há dois anos, ao conquistar contra todas as perspectivas, o título europeu. O maior marco de sempre da história da formação nacional. Esteve também em dois outros momentos-chave para a memória colectiva: o segundo lugar no Euro 2004 e o quarto no Mundial, dois anos depois. Só o Portugal de Eusébio conseguira mais na competição global, com o terceiro lugar em Inglaterra, no Mundial, em 1966.

Cristiano terá 37 anos no Qatar e ainda é cedo para saber se quererá figurar entre os convocados. Olhando para os jogadores que Fernando Santos levou para a Rússia, principalmente para a nova geração de futebolistas nacionais que incluiu na lista, é altura de se falar em renovação e no pós-Cristiano Ronaldo, por mais que este cenário seja prematuro e doloroso do ponto de vista desportivo e sentimental.

Bernardo Silva, Gonçalo Guedes, Bruno Fernandes, Gelson Martins, André Silva e Ruben Dias surgiram neste torneio como candidatos ao presente e futuro da selecção, mas nenhum deslumbrou particularmente. Excepção feita ao primeiro jogador desta lista, que depois de dois jogos menos conseguidos esteve em muito bom nível frente ao Uruguai.

“Bernardo Silva será certamente o novo líder da selecção. É técnica e tacticamente evoluído e faz a diferença ao nível individual, mas só demonstrou o seu potencial nesta última partida”, salientou ao PÚBLICO o jornalista francês Régis Dupont, do jornal L’Equipe. “Ele teve dois jogos fracos antes, mas o facto de Fernando Santos continuar a apostar na sua titularidade é demonstrativo da falta de soluções para apoiar Cristiano Ronaldo no ataque. É o único jogador com um alto nível competitivo comparável”.

Em relação aos restantes “delfins” da selecção, Régis, que acompanhou de muito perto Portugal na Rússia, não ficou convencido, mas admite que ainda é cedo para conclusões. “Rúben Dias será o natural companheiro de Pepe na defesa, que foi um dos sectores mais fracos da equipa neste Mundial. José Fonte não tem nível internacional para ocupar o lugar”, defende.

Um plano B

O enviado do L’Equipe ficou ainda surpreendido por Fernando Santos ter deixado de fora Nani, um extremo “com capacidade de superar os confrontos individuais” e apoiar Ronaldo. Já Quaresma não esteve tão bem, apesar do grande golo que apontou frente ao Irão. “Contra o Uruguai fez o seu pior jogo, abusando das iniciativas individuais e perdendo muitas bolas”.

Outro jogador que não convenceu Régis foi João Mário: “Deveria ser um dos líderes do meio-campo, mas foi uma desilusão.” E muitas dúvidas tem o jornalista francês também em relação a Gelson Martins. “Não sei se atingirá um grande nível no futuro.”

Em suma, Cristiano Ronaldo foi ele próprio e foi até um pouco mais do que isso, mas não tem quem o acompanhe na construção ofensiva. “Este é o grande problema desta selecção”, concluiu Régis. “Portugal precisa urgentemente de um plano B para quando Cristiano não está bem, como aconteceu na partida com o Uruguai”.

Uma equipa que teve mais alma do que jogo, com uma defesa intransponível liderada por três grandes jogadores como Godín, Giménez e Cáceres, e uma enorme dupla atacante composta por Cavani e Suárez, que soube aguardar pelos momentos certos para desferir os golpes fatais.

Figo, Deco, Maniche e Pauleta

Já Ronaldo nunca teve na Rússia ninguém parecido ao seu lado. Bernardo Silva foi quem esteve mais perto, mas apenas na partida de despedida. Nem Gonçalo Guedes nem André Silva, que se revezaram no apoio directo ao capitão, corresponderam às expectativas.

Uma selecção bem diferente em termos de soluções foi a que competiu em 2006, na Alemanha. O jovem Cristiano Ronaldo estava então rodeado de talento. Figo, Deco, Maniche e Pauleta, mas também Nuno Gomes, Hélder Postiga e Simão Sabrosa, que ofereciam um enorme poder de fogo, com Paulo Ferreira, Fernando Meira, Ricardo Carvalho, Costinha e Petit a conferir o necessário equilíbrio defensivo.

Até ser afastada da final pela França (0-1), Portugal marcou seis golos – incluindo o primeiro de Ronaldo num Mundial – e sofreu apenas um.

A campanha na Rússia não deslumbrou (apesar da espectacularidade do encontro com a Espanha) mas também não desiludiu. O trabalho de base tem tido continuidade e até óbvias melhorias, mas é hora para reflexões e renovação a olhar para o futuro. De preferência enquanto por aqui continua a referência de qualidade e sucesso que é Cristiano Ronaldo.

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