Uma sopa de beldroegas espectacular que serve de template para fazer uma data de sopas tradicionais e modernas sem olhar para uma receita

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Gosto muito de sopa com entulho que não é passada. Ao fim de muitos anos e de muitas experiências descobri uma receita para sopa de beldroegas que tem a enorme vantagem de ser infinitamente adaptável.

Funciona muito bem com couve galega, espinafres, acelgas, agriões, grelos, rama de beterraba, rama de nabo e todas as folhas um bocadinho ácidas.

A receita é sempre a mesma. Só muda a verdura. Das que temos experimentado (a Maria João, que hoje faz anos, é uma maravilhosa criadora culinária) a única que não funciona é a couve lombarda. Mas, lá está, funcionaria caso se acrescentasse uma hortaliça picante ou ácida.

A versão de que eu mais gosto é a indecisa. A decisão é simples:

usa-se batata ou a mais saudável batata doce? Tanto uma como outra escolha é deliciosa. Forçado a escolher, diria que é melhor só com batata doce.

A versão indecisa usa as duas batatas. As batatas são respeitadas: são cortados aos cubos e cozidas. Não são esmifradas e usadas como mera textura.

As acções da receita resumem-se a refogar, refogar, refogar: são três momentos. Primeiro refoga-se o alho, depois as batatas e finalmente as beldroegas ou lá o que for.

O alho não tem de ser descascado ou contado em dentes - é uma grande benesse para os preguiçosos. Apenas se tira a pele exterior (a branca) a duas cabeças de alho, deixando ficar a interior (a roxa).

Há uma grande satisfação em usar duas cabeças inteiras e é um alívio a sopa não precisar de cebola. Esta sopa, para além de ser rápida, deixa os dedos limpinhos de qualquer cheiro.

Põe-se azeite no fundo do tacho com uma folha de louro e as duas cabeças. Refoga-se casualmente.

Deitam-se depois duas batatas doces e duas batatas normais, cortadas em cubinhos apreciáveis. Acrescenta-se sal e refogam-se um bocadinho.

É agora altura de juntar as beldroegas. Há quem use só os talos e quem use só as folhas. A solução indecisa revela-se, mais uma vez, a melhor: usam-se talos e folhas. Refogam-se.

Acabou aqui a primeira parte da receita. A segunda é de cozedura.

Tapa-se tudo com água fresca da ribeira. Basta um dedo acima das batatas. Tapa-se com o cuidado de ter a tampa um pouco levantada para deixar escapar o vapor. O lume deve estar em médio-baixo para ferver durante 15 minutos.

Chegou agora a altura do queijo. Claro que também fica boa sem queijo mas não é a mesma coisa. O queijo e as beldroegas fazem um casamento muito feliz. Como o queijo é cozido, transforma-se numa espécie de nabo luminoso, um nabo com umami.

No Alentejo, o queijo que se usa é aquele que está à mão, de ovelha ou de cabra. Até pode ser bastante salgado porque depois de cozer fica bom, contribuindo sal para a sopa. É preciso contar com isso.

Na minha opinião, aquele que fica melhor é o queijinho de cabra de leite cru. Também se corta aos cubinhos e põe-se na sopa para ferver tudo mais 5 minutos.

Se não puser queijo, as batatas fervem-se durante 20 minutos – ou até ficarem prontas. É fácil defender uma batata só muito ligeiramente encruada. Também é irresistível esquecer os cubinhos e cortar as batatas em fatias grossas. A única coisa que interessa é as batatas ficarem cozidas como se gosta.

Para mim a sopa está pronta. Mas é uma sopa que, como quase todas as alentejanas, fica muito bem com ovos escalfados. A Maria João acha um desperdício não se aproveitar a sopa para juntar uns ovos escalfados.

Há qualquer coisa misteriosa que os ovos fazem à textura da sopa, tornando-a mais cativante ainda.

Há muita gente que também aproveita a sopa de beldroegas para pôr fatias de pão na sopa. É uma versão indecisa e deliciosa: batatas e pão ao mesmo tempo. Escusado será dizer-se que o pão se presta muito à gema dos ovos escalfados.

Serve-se a sopa com um fio do mesmo azeite – ou não. Eu gosto mais com, a Maria João gosta mais sem. Decisões, decisões – mas estas são sempre fáceis e bem-vindas.

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