Relações de amizade e concursos fantasma põem ex-presidente de Tondela no banco dos réus

Concursos “fantasma” e obras que foram entregues por ex-presidente a empresa de amigo que tinha dívidas ao Estado. Entre outros crimes, antigo presidente da Fundação do Desporto está acusado pelo Ministério Público de falsificação de documentos e prevaricação do cargo que ocupava enquanto autarca.

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Rui Soares

O antigo presidente da Câmara de Tondela, Carlos Marta, está acusado de prevaricação de titular de cargo político e de falsificação de documentos, num esquema que ajudou a idealizar para beneficiar uma empresa de construção civil liderada por uma pessoa das “suas relações pessoais”. O ex-autarca, que exerceu funções entre 2001 e 2013, é ainda indiciado pelo Ministério Público (MP) do crime de favorecimento de credores. O caso envolve a abertura de concursos “fantasma” e a contratação de empresas para cobrarem dinheiro de obras feitas por outra empresa que tinha dívidas ao Estado. No total, estão envolvidos nove arguidos, entre eles empresários ligados à construção civil e aos combustíveis.

Tudo aconteceu quando no início do último mandato em que esteve à frente da Câmara de Tondela, Carlos Marta acordou “verbalmente” com a empresa Asfabeira a realização de três obras de pavimentação e beneficiação de arruamentos em três localidades do concelho.

Apesar de não ter sido aberto concurso, a referida empresa avançou com os trabalhos. Sabia Carlos Marta, de acordo com a acusação do Ministério Público a que o PÚBLICO teve acesso, que a referida empresa estava impedida de participar em concursos públicos por dívidas à Segurança Social e às Finanças, além de se encontrar numa situação financeira “débil” e sem conseguir cumprir com os pagamentos a fornecedores.

É neste ponto que entra na história uma segunda empresa (Petroibérica) que era credora da primeira e que tinha no seu Conselho de Administração um elemento “das relações pessoais” quer de Carlos Marta quer do gerente da Asfabeira. Foi então que os três amigos terão engendrado um esquema que consistia na utilização de empresas “veículo” que pudessem contratar e depois facturar ao município os trabalhos que a Asfabeira já tinha realizado e pelos quais ainda não tinha sido paga.

Para o esquema foram então chamadas mais duas empresas (uma de Pombal e outra de Lisboa) que, conhecendo o dono da Petroibérica, “anuíram e aderiram ao esquema”.

Entretanto, Carlos Marta deu instruções ao director de Departamento de Obras, também arguido neste caso, para abrir concursos para as obras, indicando que neles deveriam surgir o convite feito às empresas “veículo”.

A ideia era estas duas empresas acabarem por receber o dinheiro que depois seria entregue à Petroibérica, através de sub-empreitada, em forma de cedência de créditos, uma vez que a Asfabeira acabou por abrir falência em 2012.

Segundo o MP, ao adoptarem estas condutas, “todos os arguidos actuaram voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e de intentos na execução de um acordo entre todos firmado e ao qual todos aderiram, bem sabendo das leis aplicáveis à contratação pública, as quais deliberadamente decidiram não acatar”. Visaram, também, “favorecer patrimonialmente a Asfabeira e a Petroibérica, com base em relaçõees de proximidade pessoal e profissional, em detrimento dos interesses públicos”.

Todos os arguidos agiram de forma “concertada, em conjugação de esforços e intentos, deliberada e conscientemente com a intenção conseguida de obter, ou para si ou para terceiro, benefício patrimonial indevido”, conclui o Ministério Público.Carlos Marta foi presidente da Câmara de Tondela pelo PSD durante três mandatos, tendo ainda exercido durante 10 anos o cargo de deputado na Assembleia da República. No início do ano deixou a presidência da Fundação do Desporto onde esteve desde 2013. Chegou a avançar com uma candidatura à Federação Portuguesa de Futebol.

O ex-autarca esteve também envolvido num outro caso em que o Ministério Público acusou antigos presidentes de câmara do distrito de Viseu de fazerem uso das suas funções nos conselhos de administração de uma associação de municípios para serem reembolsados de forma indevida por despesas feitas em representação das respectivas autarquias.

Não foi possível contactar Carlos Marta.

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