A três anos do centenário, o Vendedores de Jornais Futebol Clube está a três meses de perder a sua casa

O clube que teve como presidente o Almirante Gago Coutinho foi tricampeão das marchas de Lisboa mas corre o risco de fechar por não conseguir suportar o aumento da renda.

Janela, arte de rua, fachada, rua
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Rita Rodrigues
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É no número 53 na Rua das Trinas, freguesia da Estrela, que vive o Vendedores de Jornais Futebol Clube. Começou por ser uma necessidade, “um espaço onde os ardinas pudessem pernoitar, já que muitos deles eram de longe e o seu trabalho era maioritariamente feito de madrugada quando apanhavam o eléctrico e iam vender os jornais por toda a cidade”, conta Eduardo Fidalgo, o actual responsável pelo Clube. Depois passou a ser uma comunidade que além de servir de albergue para os ardinas, era um espaço onde realizavam diversas actividades relacionadas principalmente com o futebol. 

O Vendedor de Jornais Futebol Clube (VJFC) é a continuação do espaço que abrigava os ardinas deste 1921. Eduardo conta que a colectividade é das poucas que ainda existe e que pelo andar da carruagem também terminará. É um sítio onde os sócios se podem juntar e conviver, apesar de serem cada vez menos (pouco mais de 100) e que também acolhe gente do bairro. “Isto é um espaço diferente em Lisboa como agora há poucos e os sócios, assim como outros, gostam de cá vir”, acrescenta.

Pelos cantos do espaço e do pequeno palco que compõem a ‘’sala de estar’’ ainda se vêem sinais de um arraial que aqui aconteceu há duas semanas. Como em qualquer romaria de Santo António, não podem faltar as sardinhas ilustradas, as fitas coloridas que decoram o tecto e os balões, agora já com um ar abandonado. A um canto, uma figura de Santo António observa atentamente toda a conversa. “Fazemos o arraial de Santo António aqui mas focamo-nos mais na parte do convívio, como se o clube fosse uma sala de estar para as pessoas daqui de perto poderem utilizar e onde podem fazer festas de anos e baptizados porque as casas por aqui são relativamente pequenas.”

Apesar do seu valor histórico, o Clube está em risco de fechar. Embora o número 53 já seja a sua terceira sede, Eduardo refere que o problema com o senhorio já se vem a arrastar há bastante tempo. “Mais dois ou três meses e teremos de sair porque não podemos suportar o aumento da renda. Há entidades dentro da junta e da câmara a lutar por isto mas há interesses económicos que superam o problema, até porque o senhorio está no seu direito porque isto podia ter sido comprado ao antigo proprietário a um preço muito mais baixo, o que nunca foi feito”. 

O grande trunfo do VJFC, e um facto do qual se orgulham, é que tiveram como presidente o Almirante Gago Coutinho que, além de geógrafo, cartógrafo, oficial da Marinha Portuguesa e historiador, foi o navegador que em conjunto com Sacadura Cabral realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mais precisamente entre Lisboa e o Rio de Janeiro. 

Quem sobe umas escadas íngremes até ao primeiro andar do clube, encontra um espaço que ainda guarda objectos que marcaram a história do clube. Do Almirante ainda se preservam a bengala, alguns objectos pessoais como as penas com que escrevia e o diário que manteve enquanto realizava a travessia. “São objectos de valor para a nação portuguesa e que pertencem ao clube. Se sairmos daqui não sei para onde vão mas se forem parar a mãos de entidades impessoais desaparecem”, refere o responsável pelo clube. 

A história do clube também se mistura com as marchas populares. A colectividade é a única detentora da Taça Rainha por ter vencido de forma consecutiva as marchas de Santo António entre 1964 e 1966. A taça, essa, pode ser encontrada no mesmo espaço onde também são preservados os objectos de Gago Coutinho.

Pouco falta para as 14h e Eduardo está a acabar de servir o almoço aos pouco clientes que o Clube ainda recebe. Madalena é uma delas. Apesar de não morar no bairro é sócia do clube e espera que este não feche. “Aqui sinto-me em casa. Nós juntamo-nos todos aqui, fazemos aqui imensas festas, além dos santos, que é a mais popular, fazemos jantares. Eu por exemplo faço aqui os meus anos e os dos meus filhos e agora que começaram as férias venho cá almoçar e jantar praticamente todos os dias porque me sai mais barato do que comer em casa”. 

Apesar do almoço já estar servido e dos clientes começarem a sair, Eduardo confessa que “ainda há muito a fazer”. Aqui, é ele o faz-tudo, trabalho que implica cozinhar, tratar das compras, da organização de eventos que ainda vão realizando e de gerir tudo o que esteja relacionado com os poucos sócios que ainda restam “e acima de tudo tentar manter o clube vivo e em pé”. 

Na terça-feira, o Grupo Municipal do Partido da Terra pediu à Assembleia Municipal que “proceda a diligências com vista à possibilidade da manutenção do Vendedor de Jornais Futebol Clube no mesmo local onde hoje se encontra.” Caso o primeiro pedido não possa ser considerado, o partido propõe que seja disponibilizado um novo espaço para o Clube continuar. Pede-se ainda que “se encontre uma solução para salvaguardar o espólio do Almirante Gago Coutinho.”

Texto editado por Ana Fernandes

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