Como chegámos aqui? A Ongoing e os 700 milhões

Quando num destes dias se falar de alguém que tem uma enorme influência nos grandes negócios dos últimos anos, tenha medo, muito medo.

Em janeiro de 2011, Rafael Mora – um dos proprietários da Ongoing – dava uma entrevista ao Diário de Notícias, na rubrica “Gente que Conta”, onde se descrevia o entrevistado como “um homem influente no nosso mundo empresarial. Vice-presidente da Ongoing (grupo com significativa presença na área dos media, de Portugal ao Brasil, passando por Angola e Moçambique), elemento do Conselho de Administração da Portugal Telecom, ex-managing partner da consultora Heidrick & Struglles (que colocou muitos dos maiores quadros das mais rentáveis empresas nacionais)”. Acrescentava ainda a seguinte frase, que sete anos depois não é mais do que um trágico presságio: “diz-se que tem uma enorme influência em muitos dos grandes negócios que nos últimos anos se fizeram em Portugal”. Esta semana soubemos no que deu esta “enorme influência”: buracos de 440 milhões no Novo Banco e de 230 milhões no BCP.

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Em janeiro de 2011, Rafael Mora – um dos proprietários da Ongoing – dava uma entrevista ao Diário de Notícias, na rubrica “Gente que Conta”, onde se descrevia o entrevistado como “um homem influente no nosso mundo empresarial. Vice-presidente da Ongoing (grupo com significativa presença na área dos media, de Portugal ao Brasil, passando por Angola e Moçambique), elemento do Conselho de Administração da Portugal Telecom, ex-managing partner da consultora Heidrick & Struglles (que colocou muitos dos maiores quadros das mais rentáveis empresas nacionais)”. Acrescentava ainda a seguinte frase, que sete anos depois não é mais do que um trágico presságio: “diz-se que tem uma enorme influência em muitos dos grandes negócios que nos últimos anos se fizeram em Portugal”. Esta semana soubemos no que deu esta “enorme influência”: buracos de 440 milhões no Novo Banco e de 230 milhões no BCP.

Muitos dos factos relatados pelo PÚBLICO de segunda-feira são uma bizarria para qualquer pessoa habituada a uma relação não incestuosa com instituições de crédito. Imagine que vai pedir um empréstimo ao banco para comprar a sua casa e que lhes garante que, caso não possa pagar a prestação, tem outro crédito, junto de outro banco, que utilizará para honrar a sua dívida. Não é preciso ter analistas de risco muito sofisticados para perceber que este tipo de garantia não garante nada.

O caso Ongoing é só mais um exemplo da perigosa teia de interesses do BES. O crédito ao BCP serviu para assumir uma posição na PT, que permitiu aumentar a influência do Grupo Espírito Santo na empresa de telecomunicações. Entretanto, Nuno Vasconcellos era já acionista da Espírito Santo Financial Group. Alguns detalhes adicionais suculentos tornam esta história ideal para um guião de novela, incluindo uma suposta ligação à maçonaria e um apetite por ex-espiões confessado pelo próprio Vasconcellos em entrevista à revista Sábado: “Estou habituado a trabalhar com espiões reformados. Não contratamos as pessoas como consultores para as escondermos.”

O problema é que a crise que todos pagamos tem origem em histórias destas. No artigo “Lições de um Colapso Financeiro”, publicado em 2011 na revista Economic Policy, um grupo de economistas islandeses – incluindo Sigridur Benediktsdottir, um dos membros da Comissão Especial de Investigação nomeada pelo parlamento – discute as condições que levaram ao colapso do sistema financeiro do país em 2008. De acordo com os autores, os bancos islandeses foram assaltados (tradução direta da palavra utilizada em inglês – loot) a partir do seu interior, com a concessão de crédito “mau” a taxas de juro elevadas e baixas reservas para lhe fazer face. Também falam de empréstimos concedidos a terceiros, cujos proveitos são depois partilhados com os acionistas do banco, através de compra ou troca de ativos nos quais estes últimos têm interesses, por valores exagerados. E mesmo da facilidade de crédito concedido diretamente a acionistas, já em 2007, quando os bancos estavam com dificuldades de financiamento.

Recuando uns anos, os autores apontam a própria política de privatizações islandesa como origem do problema: bancos vendidos com base em favoritismos políticos, quadro regulatório alterado para facilitar a expansão do sistema financeiro, apoio tácito das autoridades a uma política sistemática de extração de benefícios privados por parte dos gestores dos bancos, transferindo risco para os contribuintes e depositantes. Tudo exacerbado pelo “síndroma de pequeno país”, ou seja, autoridades regulatórias com falta de pessoal e competência para fazer face a um setor bancário em rápido crescimento.

Qualquer semelhança com o caso português, o BES e a Ongoing não é pura coincidência. Por isso, cara leitora e caro leitor, já sabe. Quando num destes dias, numa rubrica de nome pomposo como "Gente que Conta", se falar de alguém que tem uma enorme influência nos grandes negócios dos últimos anos, tenha medo, muito medo. E espere pela fatura que, mais tarde ou mais cedo, lhe vai chegar.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico