Uma revogação que já vem tarde

Da revogação do benefício no Parlamento, sob proposta do Bloco e com o apoio do PCP e do PS, só se pode dizer que peca por tardia. E deixa-nos a dúvida de quantos mais benefícios fiscais haverá, criados com a melhor das intenções, mas que não cumprem qualquer papel relevante.

A Assembleia da República acabou ontem, ainda de forma não definitiva, com o benefício fiscal à criação de emprego. Este incentivo, que já existe há quase 20 anos, foi criado para que se dê um bónus às empresas que criem efectivamente emprego.

À partida a ideia parece boa. E mesmo a despesa fiscal que tem associada – sensivelmente cerca de 40 milhões de euros por ano – não é exorbitante. Talvez por isso, no relatório anual sobre a avaliação quantitativa e qualitativa dos benefícios fiscais, apresentado este ano por António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, se defenda a sua existência. O relatório, apresentado em Março, dá-nos essa avaliação de forma clara. “O valor que o Estado deixaria de arrecadar” com este benefício “seria susceptível de ser, em grande medida, gasto em sistemas e mecanismos de protecção social e ao emprego dos jovens e desempregados de longa duração que permanecessem no desemprego”.

Esta é a realidade que terá feito o mesmo secretário de Estado propor ao Parlamento, no final de Março, a renovação do benefício introduzindo-lhe, ainda assim, algumas alterações.

Mas há outra realidade. E essa foi subscrita quase um ano antes pelo antecessor de António Mendonça Mendes, o então secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade. E fê-lo homologando em Maio de 2017 uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) onde era avaliado este benefício entre 2009 e 2014. A auditoria também não podia ser mais clara. Foram encontrados indícios de utilização indevida deste benefício num montante superior a 30 milhões de euros; o benefício foi utilizado sobretudo para a conversão de trabalho precário; e, acima de tudo, o benefício “não se revela eficaz para a criação de emprego efectivo”, concluía a IGF.

António Mendonça Mendes pode não ter lido o relatório da IGF, até porque chegou à Secretaria de Estado dois meses depois da homologação pelo seu antecessor. Mas o que não se percebe mesmo é como é que este mesmo secretário de Estado nomeou, e bem, um grupo de trabalho para rever a validade de todos os benefícios fiscais e propôs reavaliar este sem esse estudo feito.

Da revogação do benefício no Parlamento, sob proposta do Bloco de Esquerda e com o apoio do PCP e do PS, só se pode dizer que peca por tardia. E deixa-nos a dúvida de quantos mais benefícios haverá, criados com a melhor das intenções, mas que não cumprem qualquer papel relevante.

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