Houve mesmo descobertas... e ainda há!

As descobertas geográficas luso-espanholas abriram caminho para a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII.

Lemos os artigos que se opõem à intenção do município de Lisboa de criar um museu evocativo dos descobrimentos ou descobertas portuguesas e ficámos perplexos. Parece que não existiram descobertas! Mas existiram: antes de a América ter sido descoberta ninguém na Europa sabia que ela lá estava. E sim, essa como outras descobertas semelhantes partem do ponto de vista dos europeus, porque o ponto de vista não pode deixar de ser nosso. As descobertas geográficas luso-espanholas, que conduziram a descobertas de novas espécies, de populações e culturas diferentes, abriram caminho para a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII: se era possível que existissem novas terras e novas gentes que antes não conhecíamos, então também era possível, em geral, formular conhecimento novo. E esta ideia, que hoje parece óbvia – sim, é claro que há coisas que não sabemos e que podemos vir a saber –, não era nada óbvia no século XV.

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Lemos os artigos que se opõem à intenção do município de Lisboa de criar um museu evocativo dos descobrimentos ou descobertas portuguesas e ficámos perplexos. Parece que não existiram descobertas! Mas existiram: antes de a América ter sido descoberta ninguém na Europa sabia que ela lá estava. E sim, essa como outras descobertas semelhantes partem do ponto de vista dos europeus, porque o ponto de vista não pode deixar de ser nosso. As descobertas geográficas luso-espanholas, que conduziram a descobertas de novas espécies, de populações e culturas diferentes, abriram caminho para a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII: se era possível que existissem novas terras e novas gentes que antes não conhecíamos, então também era possível, em geral, formular conhecimento novo. E esta ideia, que hoje parece óbvia – sim, é claro que há coisas que não sabemos e que podemos vir a saber –, não era nada óbvia no século XV.

Prevalecia a ideia de que o conhecimento era tanto mais verdadeiro quanto mais antigo (ainda há hoje terapeutas alternativos que assim pensam) e os filósofos recitavam e reinterpretavam os textos clássicos, com pouco ou nenhum interesse pela observação e pela experiência. Se houvesse discrepâncias entre Aristóteles e aquilo que alguém via na Natureza, prevalecia a autoridade antiga. O francês Jacques Cartier escreveu em 1545 que o “simples marinheiro de hoje aprendeu o oposto dos filósofos através da verdadeira experiência”. Pensava-se, por exemplo, que as regiões do equador seriam demasiado quentes para que seres humanos aí pudessem viver. No entanto, os portugueses, na procura de uma rota oceânica para a Índia, passaram o equador em 1474-75 e descobriram que havia muitas pessoas que habitavam essas regiões. Santo Agostinho receava que a existência de povos nos antípodas implicasse haver seres humanos que não descendiam de Adão... Mas o Brasil estava nos antípodas de terras conhecidas a oriente e em breve se chegou aos antípodas das terras do Ocidente. O Padre António Vieira escreveu no século XVII: “Acerca da zona tórrida e dos antípodas ensinaram os pilotos portugueses ao mundo, sem saberem ler nem escrever, o que não alcançou Aristóteles, nem Santo Agostinho.”

A própria ideia clássica do cosmos como uma estrutura de esferas concêntricas foi demolida. Aristoteles estava em muitos casos errado, o que foi descoberto pela observação e experiência. Para dar outro exemplo: ele pensava que a mulher tinha menos dentes do que o homem, não lhe tendo ocorrido pedir à sua mulher para abrir a boca. As descobertas foram não só geográficas, mas em todo o conhecimento.

Não temos qualquer objecção à criação de um museu que conte a história da colonização e evoque a memória da escravatura, que está longe de ser uma “invenção” do Ocidente. Certamente que o visitaríamos com interesse. Nem sentimos nenhum fascínio pelos mitos lusotropicais de uma “colonização exemplar”, em que colonos e colonizados viviam em alegre simbiose. E também não subscrevemos a opinião irónica de João Miguel Tavares de que “o branco de 2018 é culpado pelos actos do esclavagista de 1718 para que o negro de 2018 possa ser vítima da escravatura de 1718”. De uma certa forma é mesmo assim, porque as desigualdades sociais se prolongam ao longo de gerações. Dito isto: existiram realmente descobertas e essa ideia é importante. A Câmara de Lisboa pode decidir fazer um museu sobre as descobertas ou sobre a escravatura, ou pode ainda fazer um museu que inclua os dois aspectos. Mas faz todo o sentido criar um Museu das Descobertas. 

A ideia nem sequer é original. Há poucos anos esteve patente na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, uma exposição intitulada “360 Ciência Descoberta”, precisamente sobre os avanços no conhecimento que permitiram as descobertas e conduziram à ciência moderna. A nossa proposta seria um museu com um pé no passado, mas a olhar para o futuro, pois há muito ainda para descobrir no mundo e em nós próprios, que fazemos parte do mundo. Hoje a ciência é a base da descoberta e o conhecimento a nossa chave para uma vida melhor e mais prolongada. Ah, e as descobertas também continuam. Por exemplo, já se descobriram mais de 3700 planetas fora do sistema solar, que orbitam mais de 2700 estrelas diferentes. Se um deles for habitado... não poderemos dizer que descobrimos os ET? Cientistas e divulgadores de ciência