Rasgar uma avenida em Alvalade para unir duas cidades desavindas

Está agora em discussão pública uma proposta para ligar directamente o Campo Grande à Alta de Lisboa. O plano, que abrange a criação de espaços verdes e a demolição de dezenas de construções, deverá custar 55 milhões de euros.

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Mais de 20 anos depois, a Alta de Lisboa ainda é um projecto por cumprir jose sarmento matos

Quem entra em Lisboa pelo norte, via Segunda Circular, depara-se do lado direito, logo a seguir ao aeroporto, com duas avenidas de grande dimensão ainda despidas de edifícios. A coroá-las há uma rotunda ajardinada onde alguém colocou um letreiro que anuncia que ali é a Alta de Lisboa.

Projecto urbanístico enorme, oficialmente aprovado há mais de 20 anos com o objectivo de ter 60 mil habitantes, a Alta de Lisboa tem crescido devagar e é um sítio frequentemente esquecido quando se fala da cidade. Parece que ali Lisboa não é Lisboa. Talvez o letreiro na rotunda seja a melhor mostra de que aquele território é estrangeiro à urbe que, poucas centenas de metros mais abaixo, se espraia compacta até à margem do Tejo.

Para pôr fim ao isolamento daquela vasta área, a Câmara Municipal de Lisboa quer rasgar uma avenida desde o Campo Grande até à rotunda das Calvanas, onde se inicia o Eixo Central da Alta de Lisboa. Essa é a principal obra prevista na proposta de Operação de Reabilitação Urbana (ORU), que esta segunda-feira entra em discussão pública.

A avenida que a autarquia se propõe construir visa “diluir o efeito de fronteira da Segunda Circular, ligando duas partes distintas da cidade”. Terá início junto ao cruzamento entre a Avenida do Brasil e o Campo Grande, descrevendo depois uma diagonal pelas traseiras do Hospital Júlio de Matos e culminando numa nova rotunda, bem maior do que a existente, situada por baixo da Segunda Circular.

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A nova artéria servirá também para a instalação de um sistema de transporte colectivo em sítio próprio – que pode ser uma linha de eléctrico ou de autocarros rápidos. A ideia é que esse corredor se prolongue “desde a Porta Norte (Alta de Lisboa), na fronteira com o concelho de Loures, até à Cidade Universitária e a Entrecampos”, lê-se na memória descritiva do projecto.

Segundo esse documento, “a importância estratégica da ORU das Calvanas ultrapassa largamente os limites da sua área de intervenção” e “terá uma importância estratégica para toda a cidade de Lisboa”, uma vez que “permitirá prolongar o eixo central desde os Restauradores até ao norte da cidade, à rotunda das Galinheiras, ligando-o ao Eixo Norte-Sul”. Para que esse projecto seja uma realidade, é preciso não só construir a nova avenida como terminar o Eixo Central da Alta de Lisboa, que só está feito mais ou menos até meio, à Avenida Krus Abecassis. Esse troço abriu ao trânsito em 2013, com nove anos de atraso.

Na proposta agora disponível para análise apenas se refere a construção de um novo edifício, com nove pisos, junto ao Campo Grande. Mas, para abrir a nova avenida, será preciso demolir várias dezenas de prédios, armazéns e construções precárias nas traseiras da Universidade Lusófona, do Externato de S. Vicente de Paulo e do bairro municipal das Murtas. Está ainda prevista a demolição de pelo menos seis edifícios de habitação com fachada virada ao Campo Grande.

A câmara prevê gastar 35 milhões na compra ou expropriação dos prédios e 5,5 milhões na construção do novo imóvel de nove andares, que servirá para “realojamento das famílias residentes nos edifícios particulares que serão afectados pelo presente projecto”. No total, o investimento público está orçado em perto de 55 milhões de euros. Os privados também são chamados a fazer obras, já que “foram identificados na área sete edifícios em mau estado de conservação”. A sua reabilitação custará qualquer coisa como 3,7 milhões de euros.

O plano, que abrange uma área de quase 300 mil metros quadrados na fronteira entre as freguesias de Alvalade e do Lumiar, contempla “a existência de três grandes espaços verdes”, o maior junto à futura rotunda (50 mil metros quadrados), outro na “zona de aproximação ao Campo Grande” (25 mil metros quadrados) e um último paralelo à avenida a criar (7800 metros quadrados).

A câmara diz que a “acção prioritária” do plano é “a construção da ligação viária”. Um dos pontos que pode gerar mais debate é o desenho da nova rotunda das Calvanas. Ao contrário da actual, esta não prevê ligação à Avenida Santos e Castro, uma artéria semelhante a auto-estrada que une a Segunda Circular ao Eixo Norte/Sul. A autarquia salienta, no documento, que a proposta ainda não está fechada, mas, a confirmar-se, os automobilistas seriam obrigados a circular só pelo Eixo Central da Alta, que ainda não está acabado – e não há previsão para que tal aconteça.

A discussão pública termina a 20 de Julho.

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