Os jovens turcos podem ser o pesadelo de Erdogan

Desemprego elevado e má qualidade do ensino aumentam descontentamento entre os eleitores mais novos, que começam a olhar para além do AKP. Influência dos pais costuma ser decisiva no voto dos filhos, mas a tendência pode estar a mudar.

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Elif Our Bayram, jovem candidata pelo AKP em campanha em Izmit Osman Orsal/REUTERS
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Birhat Demir, candidato pelo HDP de Selahatin Demirtas, em campanha em Denizli Kemal Aslan/REUTERS

Para o primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildirim, estas “são as eleições dos jovens”: “Serão eles a decidir o nosso futuro”. Foi por eles, explicava em Maio, que no polémico referendo constitucional de 2017, se reduziu, de 25 para 18 anos, a idade de elegibilidade para cargos políticos. São eles os “que tomam as decisões mais acertadas”, insistia o chefe do executivo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), o do Presidente Recep Tayyip Erdogan.

Dias antes desta declaração de amor à juventude, Yildirim agendava para a semana anterior às legislativas e presidenciais deste domingo o pagamento da primeira de duas tranches – no valor de 1000 liras (cerca de 182 euros) cada – a mais de 12 milhões de cidadãos reformados, que representam 15% da população. Uma medida incluída na reforma social que o AKP está a levar a cabo e que vai custar aos cofres do Estado mais de 4000 milhões de euros. A sua calendarização deu origem, no entanto, a suspeitas e acusações de “compra” de votos.

Louvar os novos e recompensar os velhos em vésperas de eleições pode parecer uma estratégia paradoxal. Mas olhando para as características do eleitorado turco, há nela lógica.

Num detalhado estudo sobre a população jovem no país, Fatos Karahasan, investigadora da Universidade Bilgi (Istambul), caracteriza a nova geração de turcos como “conformista” e “superprotegida pelos pais”, partilhando com estes opiniões, valores, ideias políticas e preconceitos. A influência exercida pelos progenitores sobre os filhos é de tal forma significativa, que, citada pelo jornal Hürriyet, a investigadora conclui que os jovens “votam em quem os seus pais lhe digam para votar”.

Ora, os eleitores que o AKP – nestas eleições coligado com o Partido do Movimento Nacionalista (MHP, extrema-direita) – têm vindo a chamar para junto de si nos últimos anos pertencem a uma geração mais velha e conservadora, que vê com interesse o caminho de erosão do secularismo na Turquia e a crescente islamização da sociedade e vida pública, preconizados por Erdogan.

Continuar a ter o apoio deste eleitorado, e o consequente apoio dos seus filhos, num país que apresenta taxas de participação eleitoral superiores a 80% é, por isso, imprescindível para as aspirações do Presidente.

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"Erdogan deu cabo da educação. Eu só confio em Meral Aksener", diz Nazim Karuc, que estudou enfermagem Umit Bektas/REUTERS

Desemprego e insatisfação

Olhando para os números, percebe-se o charme que Yildirim dedicou aos jovens. De acordo com os dados de 2016 do TURKSTAT (Instituto de Estatística da Turquia), metade da população, cujo total ascende os 80 milhões, tem menos de 31 anos. E com cerca 57 milhões registados, não é exagero dizer que o desfecho das eleições passa muito por aquilo que os mais novos colocam nas urnas.

Enquanto subsistir a subserviência eleitoral à influência paternal, Erdogan pode continuar a dormir descansado. Mas a realidade social e económica na Turquia está a mudar e o número de jovens desamparados e descontentes com a falta de perspectivas a aumentar, principalmente em grandes meios urbanos, como Ancara, Adana, Istambul ou Izmir – onde o “não” ao referendo do ano passado, promovido por Erdogan, já tinha saído foi vitorioso.

O país apresentou em 2017 uma taxa de desemprego jovem de 20,6% – uma das mais elevadas da OCDE, apenas suplantada por França, Portugal, Itália Espanha e Grécia – que já cresce consecutivamente desde 2012. No que toca à população entre os 15 e os 29 anos que não está empregada, a estudar ou em formação, a Turquia apresenta a taxa mais elevada dos países da OCDE – 28%.

A estes dados pouco animadores, soma-se um descontentamento generalizado com o ensino, que tanto o AKP tem procurado moldar – baniu recentemente o estudo da evolução biológica das escolas e continua a expandir os estabelecimentos de educação religiosa – e que pouco tem contribuído para o combate ao desemprego.

“Uma alta percentagem dos universitários está insatisfeito com a qualidade do ensino. Mais de metade não acredita que possa vir a trabalhar num sector relacionado com os seus estudos e 75% dos jovens empregados diz-se insatisfeito com o seu trabalho”, conta Karahasan ao El País.

Flutuações à vista?

Este descontentamento com o trabalho e a educação, aliada aos problemas trazidos pela queda a pique da lira, tem vindo a afastar alguns eleitores jovens do AKP – no poder desde 2002. Prova disso são as últimas sondagens, que revelam intenções de voto bem mais renhidas do que o Erdogan ambicionava quando antecipou em 17 meses as eleições para aproveitar o desbaratamento da oposição.

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Demhat Tari é da região de Diyarbakir não acabou os estudos secundários; foi para tentar arranjar um emprego, mas o que ganhava mal chegava para as despesas. Voltou para casa Umit Bektas/REUTERS

Em Izmir, o descontentamento dos jovens sugere uma flutuação de votos. “As nossas sondagens nesta região mostram que Erdogan mantém os seus antigos eleitores, mas não consegue novos”, revela Ümit Yaldiz, director da empresa de estudos de mercado Integral Arastirma. “Os jovens estão a olhar para novos partidos e para o candidato social-democrata Muharrem Ince [CHP, secularista], porque falam um idioma que eles entendem”, acrescenta, citado pelo El País.

Como Ince, outros candidatos à presidência, como Selahattin Demirtas (HDP, pró-curdo) ou Meral Aksener (Iyi, nacionalista), estão a redireccionar as suas campanhas para temas mais próximos dos jovens, como o ensino, as oportunidades da globalização e o impacto das mudanças tecnológicas. AKP e MHP também o fazem, mas tomando a juventude como os “guardiães da história e da cultura” da Turquia.

Yildirim defendia em Maio que “os políticos que não têm projectos para o futuro” ou que não “compreendem o espírito dos jovens”, não têm “nada para oferecer a este país”. Resta saber se a nova geração turca tem interesse naquilo que esta classe política tem para lhes oferecer, face aos exigentes desafios que enfrentam.

“Se querem os nossos votos têm de começar a tratar-nos de forma mais séria e não procurar apenas a nossa atenção antes das eleições”, alerta um estudante universitário de Ancara, em declarações à agência chinesa Xinhua.

É algures entre este descontentamento dos filhos e a capacidade de influência dos pais que se se encontra a chave para as eleições turcas.

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