Derrota do Governo? Nada disso: derrota do PSD

É chocante ver a continuada descoordenação entre a direcção do PSD e a sua bancada parlamentar.se Rui Rio não consegue meter o seu próprio partido na ordem, como conseguirá algum dia meter ordem no país?

Portugal é um país divertido e cheio de originalidades. Pelos vistos, agora temos uma bancada do PSD no Parlamento que é simultaneamente oposição ao Governo e oposição ao líder do seu partido. Eu sempre sonhei com maior autonomia por parte dos senhores deputados, mas não era bem isto que tinha na cabeça – gostava que todos pensassem mais por si próprios; não que pensassem todos uma coisa completamente diferente do senhor que foi eleito para gerir a agremiação. Assim, de facto, fica difícil.

Na quinta-feira à tarde, o PSD decidiu votar no Parlamento a favor da resolução do CDS-PP para acabar com a taxa adicional do imposto sobre os combustíveis. Na sexta-feira de manhã, a direcção do PSD informou a Lusa de que essa foi uma decisão “gravíssima”, tomada “completamente à revelia” do líder do partido. Nada como transformar aquela que é bem capaz de ter sido a maior derrota parlamentar do Governo desta legislatura numa grande derrota do PSD.

Como quem apaga o fogo com gasolina, Fernando Negrão declarou aos jornalistas na sexta à tarde que “a direcção [do PSD] é uma entidade abstrata que não produz opiniões”, o que até poderia ser verdade se se tratasse de uma daquelas fontes anónimas “próxima da direcção” em declarações a um jornal qualquer. Aí poderíamos admitir a existência de um truque conspirativo para envenenar as relações entre Negrão e Rio. Mas quando uma assumida “fonte da direcção do PSD” faz declarações à Agência Lusa nos termos acima citados, é óbvio que é com autorização de Rui Rio que ela está a falar. E estando Rui Rio envolvido, não se percebe bem como pode Fernando Negrão continuar a liderar a bancada do PSD, para a qual já foi eleito de forma titubeante e polémica, e onde tem com frequência discordado do presidente do seu partido. 

Ainda por cima, este é um caso em que Rui Rio tem toda a razão quanto à substância, sem que se compreenda o porquê da forma. Não há dúvida de que o PSD não deve promover a irresponsabilidade orçamental sem apresentar alternativas razoáveis. Desviar a meio do ano algumas centenas de milhões de euros que estão contabilizados no Orçamento do Estado não é sensato, até porque o argumento (verdadeiro) da “promessa não-cumprida” não é algo a que o PSD possa recorrer sem a totalidade da população portuguesa se rir na sua cara. Rio esteve bem na terça-feira, na Guarda: “A função do PSD é empurrar o Governo para a irresponsabilidade? Não, isso é função do PCP e do BE. Nós não temos essa função, mas temos outra, que é a de obrigar o Governo a falar verdade às pessoas.”

Certíssimo. Da mesma forma, se o PSD tinha um projecto de resolução sobre o tema que era apenas uma recomendação, e não um “imperativo”, é bizarro votar favoravelmente a proposta do CDS-PP, na medida em que ela é de aplicação obrigatória. Contudo, quando se deixa a questão da substância e nos aproximamos da questão da forma – ou seja, como discutir e votar propostas em relações às quais houve abundante alarido público durante a semana –, é chocante ver a continuada descoordenação entre a direcção do PSD e a sua bancada parlamentar. Isto não é um assunto em que Rio possa dizer que foi apanhado desprevenido, a não ser que tenha viajado directamente da Guarda até Marte. Ele tem nota máxima em razão, mas nota mínima em coordenação. O que não descansa ninguém: se Rui Rio não consegue meter o seu próprio partido na ordem, como conseguirá algum dia meter ordem no país?

Sugerir correcção
Ler 101 comentários