Forretice sortuda

Tenho sorte que me custe dar dinheiro por figos, nêsperas, ameixas e amoras. Na minha infância os figos, as nêsperas, as ameixas e as amoras eram apanhadas por quem as queria.

Finalmente o Verão. A ver o Nigéria-Islândia e a comer os primeiros figos, vindos do Algarve. Estão aguados. Este ano a chuva estragou-nos a fruta toda. Só nos souberam bem umas nêsperas roubadas (com autorização do dono).

Tenho sorte que me custe dar dinheiro por figos, nêsperas, ameixas e amoras. Na minha infância os figos, as nêsperas, as ameixas e as amoras eram apanhadas por quem as queria.

Eram frutas grátis. Levei muitos anos para vencer a minha recusa de comprá-las. Ainda não consigo esportular euros numa cestinha de amoras. Penso sempre: vou apanhá-las a um sítio que eu cá sei. Mas nunca vou.

As minhas saudades de amoras são cada vez maiores. Comiam-se muitas vermelhas, muitas que ainda estavam verdes. Era uma festa quando se encontrava as pretas. É um sortido estranho que não se pode comprar em parte alguma. Só se vendem as pretas, já maduras. Parece excessivo - como só vender uvas Moscatel do tamanho de ovos.

Se tivesse nascido num país frio os figos seriam luxos caros, importados. Mas quem os apanha em criança sabe que é raro apanhar um figo maduro. Começamos a comer os figos cedo demais, incapazes de esperar ou de ter noção da asneira que fazíamos. Não são bem verdes mas ainda deitam leite. Não são completamente doces como aqueles que se vendem: enormes, roxos, lindos.

Haverá quem me leia e saiba que eu não tive sorte nenhuma, comparada com a sorte dessa pessoa. E pensará noutras frutas, em vinhas e pessegueiros ali à volta da mesa improvisada em noites de calor...

 

 

 

 

 

 

 

 

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