JC Decaux vence concurso de publicidade exterior mas processo segue para a justiça

Câmara garante que a contestação é “natural” e que escolheram a empresa que “melhor serve o interesse público”.

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A JC Decaux ficou tanto com a exploração dos outdoors como dos mupis DANIEL ROCHA

Mais de 16 meses depois da abertura do concurso, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) escolheu finalmente um vencedor para a concessão de publicidade exterior na capital: a multinacional JC Decaux ficou em primeiro lugar no concurso e assegurará os suportes de publicidade (outdoors, mupis e não só) durante os próximos 15 anos. Mas o “complexo” processo esteve envolvo em voltas e reviravoltas e mesmo agora, tomada a decisão final, as empresas concorrentes alegam que a resolução não é legítima e querem recorrer dela em tribunal.

Assim que a escolha da JC Decaux foi aprovada a 14 de Junho, em reunião de câmara, as empresas concorrentes (sobretudo a MOP, que foi excluída, e a dreamMedia) mostraram-se descontentes com o resultado do processo, que consideram pouco transparente e com critérios mal definidos. “A decisão está totalmente ilegal, não temos dúvidas, e vamos prová-lo em tribunal”, defende o CEO da MOP, Vasco Perestrelo. Também a dreamMedia apresentou esta quinta-feira uma providência cautelar, que suspende temporariamente a adjudicação do concurso. Um dos principais argumentos de ambas as empresas é de que a JC Decaux não cumpriu as assinaturas electrónicas, obrigatórias por lei. Mas já lá vamos.

O vice-presidente da CML, Duarte Cordeiro, não concorda com as acusações de falta de transparência e garante que a Câmara decidiu “com base num júri independente e suportou-se de apoio técnico do melhor que há”. “Estamos muito confiantes de que a decisão tomada é aquela que melhor serve o interesse público”, acrescenta.

Comecemos por perceber em que consistia o concurso. O processo foi bem mais longo do que o habitual e foi marcado por exclusões, consecutivas contestações por parte das empresas concorrentes e ameaças de recurso em tribunal. Em causa estava a concessão de dois lotes, o primeiro para mupis em zonas urbanas e o segundo para painéis de grande formato. Há ainda um terceiro lote – que acabou por ser o atribuído à multinacional francesa – que prevê a exploração dos dois primeiros, caso o valor oferecido fosse superior à soma do preço dos lotes 1 e 2.

A vitória começou por ser atribuída preliminarmente, em 2017, às empresas Cartazes & Panoramas I e Cartazes e Panoramas II (pertencentes à MOP, que detém o fundo Explorer), que viriam mais tarde a ser excluídas; assim, a concessão ficaria a cargo da JC Decaux (primeiro lote) e da dreamMedia (segundo lote). Mas como a JC Decaux tinha concorrido ao terceiro lote, acabou por ficar com a exploração exclusiva da publicidade exterior em Lisboa.

Irregularidades e parcialidades

Quando as empresas submetem as suas propostas, têm garantir duas assinaturas electrónicas obrigatórias: uma feita no próprio computador, em cada uma das folhas, e outra no momento da submissão na plataforma AcinGov, de forma a garantir que não são feitas alterações às submissões. E é precisamente isto que leva os concorrentes a contestar a proposta da JC Decaux, já que a empresa francesa só tinha uma assinatura, a que é feita no momento da submissão.

Apesar dessa falha, a sociedade de advogados Sérvulo & Associados (consultor externo da Câmara) considerou que a segunda assinatura seria válida e suficiente, considerando a primeira uma “formalidade não essencial”. “Veio ainda um documento da plataforma [AcinGov] que é inequívoco, e só depois é que propusemos a adjudicação à JC Decaux”, argumenta Duarte Cordeiro, dizendo que a contestação “é natural” num concurso desta envergadura. O problema, acredita o concorrente Ricardo Bastos, é que assim “o júri pode decidir o que é essencial ou não, o que mostra que é pouco transparente”.

“É um conjunto de imparcialidades para um lado e parcialidades para o outro”, reage Vasco Perestrelo, cujas propostas foram excluídas do concurso por não cumprirem o caderno de encargos (quanto à opacidade dos abrigos de autocarros e aos mupis que tinham uma só face em vez de duas), ainda que apresentassem o valor mais elevado pelos dois lotes. O vice-presidente da CML acrescenta ainda que o único critério para ficar com a exploração do mobiliário urbano publicitário em Lisboa era “o preço mais alto, desde que os concorrentes respeitassem o caderno de encargos”.

Tanto a MOP como a dreamMedia falam num “clima de dúvidas e suspeita”. O PÚBLICO tentou contactar a JC Decaux e a Cemusa (outra empresa concorrente), mas não obteve resposta.

Falta de tempo

A CML diz ao PÚBLICO que o resultado da adjudicação teve “o voto favorável de dois terços dos vereadores” na reunião da semana passada: a favor votaram PS, PCP e Bloco de Esquerda e votos contra do CDS e do PSD.

O vereador social-democrata João Pedro Costa foi um dos que votou contra. “Entendemos que não foi dado todo o tempo necessário [aos vereadores] para que o processo pudesse ser estudado”, explica ao PÚBLICO, dizendo que também não foi permitido o acesso aos documentos em formato digital. Duarte Cordeiro adianta que o processo estava disponível para consulta desde o início de Maio e defende que esse tempo era suficiente. Mas João Pedro Costa fala também em “questões de natureza jurídica e técnica que não estão respondidas”, como os motivos que levaram à exclusão de algumas propostas, pelo que diz ser “precipitado deliberar sobre este concurso”.

“Temos pena que esta pressa que não está explicada não tenha permitido uma decisão mais ponderada”, refere ainda. Na reunião de câmara, os vereadores do PSD apresentaram um pedido de anulação do concurso, mas o pedido foi reprovado. “Não seria a primeira vez que a Câmara de Lisboa anularia um concurso. A nossa proposta era anular o concurso, corrigir o caderno de encargos com tudo o que houvesse a corrigir e imediatamente a seguir abrir novo concurso”, de forma a eliminar quaisquer incongruências, conclui o vereador.

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