À procura do que está para lá do fim da estrada

Alexandre Correia faz detalhados road books de caminhos que habitualmente ninguém usa. Agora, com uma nova colecção de rotas todo-o-terreno à volta dos grandes rios, quer ajudar a recuperar o prestígio do turismo automóvel.

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Miguel Manso

A curiosidade levou-o a descobrir onde iam dar caminhos que quase ninguém usava; a vontade de os partilhar, a criar os primeiros esboços em papel. Especializou-se com o tempo na feitura de detalhados road books. Agora, com a colecção Rotas TT Dacia Duster Grandes Rios, cujo primeiro número, dedicado ao Tejo Internacional, acaba de lançar, quer ajudar a recuperar o prestígio do turismo automóvel. “Há quase um desprezo por percursos de automóvel quando este é uma forma de incrementar o turismo sobretudo nos sítios mais recônditos.”

O gosto pelos automóveis foi o bichinho que levou Alexandre Correia, jornalista e fundador da Revista Todo o Terreno, a iniciar-se no jornalismo em 1979, ainda aos 15 anos, no extinto Se7e. Quando, confessa, os pais achavam que estava na escola... Afinal, numa casa cheia, com mais onze irmãos, Alexandre apurou a técnica de passar com mestria “entre os pingos da chuva”. “Praticamente as únicas alturas em que nos juntávamos todos à mesa era em datas festivas; desde que não houvesse chamadas da polícia ou queixas de maior, os meus pais ficavam descansados.”

O arranque na lide dos automóveis e do jornalismo coincidiu com a temporada inaugural do Paris-Dakar. E também com o momento em que mãe descobriu as faltas e as más classificações escolares — dois eventos aparentemente não relacionados, mas que acabaram por determinar em conjunto o que faria nos anos que se seguiram. “Na época, a cultura portuguesa estava muito associada à francesa e a minha mãe lia a revista Paris Match, e era essa mesma revista, cheia de artigos sobre o Dakar, que ela usava para me pôr de castigo a fazer trabalhos de francês, pondo-me a sonhar com as aventuras do [Thierry] Sabine.” Assim, ao mesmo tempo que cumpria o castigo, ia acumulando o background necessário para começar a escrever sobre todo-o-terreno e fechar uma reportagem sobre a primeira participação portuguesa (com os nacionais UMM e José Megre) na prova rainha dos ralis que foi entretanto publicada no jornal A Capital.

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Miguel Manso

“À conta disso, entro para o jornal Motor onde comecei logo a escrever sobre todo-o-terreno”, numa altura em que não havia passeios organizados, recorda. “O primeiro em Portugal foi pelos veteranos do Dakar, com um ponto de encontro público, e o Motor foi o único jornal a enviar alguém.” Pouco depois, passa para o Auto Sport, que estava em ascensão e deixa definitivamente os estudos para trás: “Os meus irmãos mais novos tiveram sempre a atenuante do meu mau exemplo”, brinca. “Os meus pais ficaram muito zangados, mas não me impediram — quando o podiam ter feito.” Afinal, ainda não tinha 18 anos, uma das exigências para se conseguir a carteira de jornalista.

Pôr pessoas a passear

Com mais de 30 mil quilómetros publicados em road books, continua com a mesma curiosidade que o levou a descobrir “onde isto ia dar”. Foi essa curiosidade que lhe facilitou a vida na altura em que começou a fazer os primeiros itinerários, ainda à moda antiga, construídos em textos descritivos. “Na época, o Rali de Portugal, que começava no Estoril, ia ao Minho e voltava, mobilizava o país, e havia uma procura grande pelos jornais de carros, sobretudo nas semanas que antecediam o início, pois estes traziam os truques para acompanhar a prova — é aqui que me inicio na construção de roteiros, ao partir à descoberta dos acessos escondidos que davam acesso aos vários troços.”

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Miguel Manso

Na época, no mundo da competição automóvel já eram usados os road books criados pelo navegador português Manuel Coentro — “o road book como o conhecemos hoje é uma invenção portuguesa” — e que se globalizaram por norma federativa, mas na imprensa mantinha-se a publicação de textos. É quando percebe que tem aqui uma forma de pôr as pessoas a passear. Depois de ajudar a preparar o guia para o rali, e de descobrir caminhos de acesso aos troços, chega a uma conclusão que será fulcral: “Se descubro caminhos aqui [em Portugal] posso fazê-lo em qualquer parte do mundo.” E assim fez: em Marrocos, pela Mauritânia, no Senegal, nas Filipinas, na Tailândia… onde quer que houvesse um caminho, aventurava-se à descoberta do seu destino, apontando minuciosamente todas as características para que alguém pudesse repeti-lo. Em 1989, quando começa a editar a revista Aventura, em conjunto com o viajante Megre, começa a publicar esses roteiros — tudo para levar alguém a aventurar-se com alguma rede de segurança; a segurança de que, mesmo que todas as tecnologias falhem, não se perderá.

Para mais, apesar de defender que “passear a pé é um encanto”, considera que pouca gente dispõe do tempo e da preparação física exigidos. “O que de carro são dois dias, a pé serão dez.” E depois de ter corrido mundo a desbravar trilhos e atalhos, voltou-se para o interior do país, onde afirma por vezes sentir-se mais distante de casa que do outro lado do globo.

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Miguel Manso

Ao longo dos três anos — e 60 mil quilómetros! — que demorou a preparar a colecção de nove volumes, com propostas por asfalto e fora dele, que agora publica sob o mote de Rotas TT Dacia Duster Grandes Rios de Portugal (ed. Evasão Edições e Publicações, 15€, disponível para encomendas via email: info@revistatt.pt), encontrou “sítios extraordinários e pouco conhecidos”, caminhos por onde “raramente” encontrou gente em turismo. Já nas aldeias, quase desertas, depressa se tornou uma visita familiar, “de tantas vezes lá ir”. Isto porque, para criar um road book fidedigno, é preciso “ir vezes sem conta, passar no mesmo sítio, identificar se um caminho é público ou particular e, se é público, se não há portões fechados, como ultimamente se tem verificado”. “Depois é importante testar o piso: é que se no tempo seco toda a gente passa, com as chuvas pode não se dar o mesmo caso.”

Afinal, estas propostas de passeio foram pensadas para veículos 4x2, com um nível baixo de dificuldade, e o objectivo não passa por estragar carros nem por colocar ocupantes em perigo… “Um amante dos jipes não se revê nisto”, alerta.

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