Apoio às artes. Um novo olhar sobre o território

Estes são os traços gerais de um modelo inspirado nas melhores práticas que em nome do debate público deixamos para consulta de todos.

Em junho de 2016, precisamente há dois anos, os signatários deste artigo entregaram em mão ao secretário de Estado da Cultura um documento visando a criação de uma linha de apoio para o financiamento dos teatros municipais e outras estruturas de programação. Este documento defendia não só o reforço das verbas para a DGArtes, destinadas aos agentes culturais no âmbito dos concursos de apoio às artes, mas também capacitar os teatros municipais, colocando-os finalmente numa rota de valorização de recursos e de apoio aos artistas, em condições de cumprirem a sua missão junto dos públicos e dos territórios que servem.

Propunha-se nesse documento a criação de um sistema misto de apoio às artes, não só através do reforço das linhas de apoio aos agentes, aquilo que habitualmente se designa como oferta cultural, mas intervindo pela primeira vez em Portugal de uma forma estruturada no apoio aos teatros e espaços de programação, responsáveis no território pela acessibilidade da criação artística, pela formação e pelo desenvolvimento de públicos.

Sendo os teatros municipais propriedade das autarquias, o Estado que em grande medida financia a criação não pode ser alheio à missão cultural de mais de uma centena de equipamentos, recuperados ou construídos de raiz. Estamos perante uma das maiores redes de infra-estruturas teatrais per capita na Europa, por onde deve também passar a reestruturação que se pretende para o sector, através de programas que recompensem as boas práticas, sobretudo as que assumam um papel multiplicador, sinérgico e transformador.

Em territórios profundamente descapitalizados para a cultura, e nos quais esta deve assumir um papel central no desenvolvimento, o Estado pode discriminar positivamente os teatros que possuem boas práticas artísticas e uma programação cultural sólida, ou seja, pode criar referências, apoiando de forma partilhada com as autarquias quem tem o mérito de fazer ação cultural de excelência.

E que boas práticas são essas? Em primeiro lugar, as mais óbvias e que se constituiriam como condições de elegibilidade para os teatros poderem solicitar apoio público: existência de um diretor artístico ou programador a tempo inteiro, responsável pela execução e gestão do projeto artístico; existência de um orçamento para programação, inscrito em orçamento da instituição tutelar, comprometendo-se a aumentar e diversificar a programação (já que receberiam apoio); existência de equipas equilibradas e dimensionadas para os espaços em causa.

Entre as boas práticas, propomos ainda como critérios de avaliação, em primeiro lugar, a qualidade da programação (perceção do território, risco, modernidade, equilíbrio entre uma programação local e outra de acolhimento, estreias, apoio à criação, etc.). Um organograma equilibrado, um historial anterior de programação, bem como os currículos da direção artística e das equipas, seriam fatores determinantes. Outro elemento importantíssimo seria a existência de um serviço educativo ou atividade estruturada de mediação cultural com a comunidade, bem como uma programação dirigida a diferentes faixas etárias. O estímulo à criação e a relação com o tecido associativo local, bem como o estímulo à criação e circulação nacionais, seriam igualmente fatores essenciais.

Mas uma das propostas mais transformadoras que documento elaborado em 2016 continha assentava nos critérios de majoração que uma nova linha de financiamento deveria valorizar, apontando caminhos de futuro: orçamentos de programação robustos; programação de artistas e de projetos emergentes; programação de residências de criação; a existência de um diretor artístico com autonomia relativamente ao poder autárquico ou entidade tutelar do teatro, idealmente escolhido por concurso.

Finalmente, o concurso assentaria numa responsabilidade partilhada a 50% entre Estado e autarquias. Desta forma, o Estado contribuiria para duplicar o valor aplicado na programação cultural das regiões, uma transformação profunda da escala da ação cultural. Constituiria ainda um enorme apoio ao sector, o facto de 20% da verba concedida pelo Estado nestes apoios ser destinada a co-produções e outros 20% destinados à circulação de obras que tivessem tido apoio anterior da DGArtes.

Estamos perante verbas substanciais e novas formas de articulação institucional, que possibilitariam centenas de novas circulações anuais de espetáculos em todo o país, nomeadamente de trabalhos já anteriormente apoiados pelo Estado e em fase de criação, abrindo-se finalmente a perspectiva de uma circulação de qualidade e intensidade, com enormes benefícios para os criadores, para o público e para uma qualificação ampla da oferta.

A existência de direção artística, a presença de programadores independentes e qualificados, com capacidade de gestão de projetos culturais, no seu todo, criaria condições para a circulação sustentada das artes no nosso país, estimulando a criação de massa crítica local e, muito em particular, promovendo a profissionalização progressiva desses mesmos programadores e decisores artísticos locais, diminuindo-se desta forma, a prazo, a dependência exclusiva dos apoios da DGArtes, já que os criadores encontrariam potencialmente formas adicionais de apoio em todo o território.

Ao transferir para os teatros parte da decisão sobre os apoios à criação (co-produção, residências e circulação das obras), complementando e ampliando o modelo atual, os processos de financiamento tornar-se-iam mais descentralizados e independentes das decisões da DGArtes, diversificando as opções para os criadores e fomentando a qualidade democrática das políticas de financiamento.

Estes são os traços gerais de um modelo inspirado nas melhores práticas, testado ao longo de muitos anos em diversos países, que em nome do debate público e da reestruturação do setor deixamos para consulta de todos.

Cumprindo com um dever de cidadania, tornamos público o referido documento, que pode ser consultado na íntegra em https://readymag.com/u12185909/1091724/

Os signatários: Rui Horta (coreógrafo, director do Espaço do Tempo); Fernando Matos Oliveira (director do Teatro Académico de Gil Vicente); Paula Mota Garcia (directora do Teatro Viriato); Rui Torrinha (programador do Centro Cultural Vila Flor); Fátima Alçada (programadora do Centro de Arte de Ovar); Rui Sena (director do Teatro Virgínia); Vítor Afonso (programador e coordenador do Teatro Municipal da Guarda); Alexandre Pascoal (presidente do Conselho de Administração do Teatro Micaelense)

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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