As heranças da troika entre a luz e a escuridão

A Grécia prepara-se para uma saída limpa do terceiro programa de ajustamento e Portugal revela um padrão de crescimento mais sustentável, diz o Banco Central. Após a escuridão, uma réstia de luz

“Portugal não é a Grécia”, dizia Paulo Portas, “Portugal não é comparável à Grécia”, garantia Pedro Passos Coelho nos dias de chumbo em que os dois países estavam sujeitos a dolorosos processos de ajustamento. No dia em que o Eurogrupo analisa a saída limpa da Grécia do terceiro programa de ajustamento, o Banco de Portugal divulga as suas previsões sobre o crescimento da economia e na conjunção dos dois momentos pode, de facto, constatar-se que os dois países viveram e vivem realidades diferentes. Portugal vai crescer menos este ano e continuará a abrandar nos próximos, mas regista um “padrão de crescimento mais sustentável da economia a médio prazo”, como nota o Banco de Portugal. A Grécia viverá pelo menos até 2022 obrigada a um esforço brutal (um excedente primário de 3,5% do PIB) para poder aspirar a uma redução da sua dívida ingerível, actualmente na ordem dos 180% do produto.

Sim, Portugal não é a Grécia. Não o foi na maturidade política com que resistiu às dores do ajustamento. Não o foi no nervo do seu tecido económico, que supriu as agruras do mercado interno com um impressionante crescimento das exportações. Não o foi também na eficiência do Estado, principalmente ao nível da máquina fiscal. Portugal vive, apesar de todos os constrangimentos, uma aparente situação de normalidade e a Grécia só agora se prepara para resgatar uma parte da sua soberania. E se essa diferença não dispensa as perguntas sobre o muito que correu mal, permite ao mesmo tempo discorrer sobre o que pode vir a correr melhor.

A História é o que foi e o que importa saudar o novo passo em frente da Grécia, o desanuviamento que o fim dos resgates traz à Europa e o processo de consolidação em curso em Portugal. Sim, foi duro, o país está longe de poder respirar de alívio (a dívida é um fantasma para muitos anos), mas não deixa de ser compensador ler a análise do Banco de Portugal e constatar que a ilusão de que o país podia viver em persistente desequilíbrio da sua balança externa acabou, que os motores do crescimento são o investimento e a exportação, que nos principais partidos se instituiu a crença de que a irresponsabilidade fiscal faz parte do passado. A recuperação do fôlego em Portugal, mas também na Grécia, não basta para aplaudir os anos de chumbo dos cortes e da austeridade; dá para percebermos que desses traumas nasceu, ao menos, uma leve réstia de luz.    

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