E agora algo divertido para a mente com Superorganism

Foram uma das mais gratas surpresas do Primavera Sound do Porto. Os multinacionais Superorganism deixaram um rasto de sorrisos à sua volta, graças às canções pop contagiantes do seu homónimo álbum de estreia.

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Foram uma das mais gratas surpresas do último Primavera Sound do Porto. Já se sabia que o seu homónimo álbum de estreia era um documento revestido por canções pop imaginativas, mas existiam algumas reticências em relação à forma como poderiam ser expressas em palco. Cinco minutos depois do início do concerto não restavam dúvidas: as canções dos Superorganism ao vivo resultam ainda mais contagiantes.

Enquanto no festival existia quem se dedicasse a experienciar unicamente concertos rock, ou de hip-hop, ou sessões de música de dança, numa comprovação, apesar de tudo surpreendente para os tempos que se vivem, de que as diferentes afirmações identitárias ainda estão conectadas com géneros de música e formas específicas de expor esses mesmos sons ao vivo, em palco os Superorganism misturavam tudo da única forma possível: com a descontracção insolente de quem não percebe que, estando hoje tudo baralhado na horizontal, ainda existe quem procure guiar-se por hierarquizações artificiais, dividindo, em vez de assimilar.

Existe quem lhes chame pós-modernos, típica afirmação esvaziada de conteúdo, que não entende que os Superorganism não querem afirmar nada, ao contrário do que acontecia nos anos 1980 com essas correntes. Eles não querem parecer. Eles são. Pertencem a um agregado de pessoas – chamar-lhe geração talvez seja excessivo – com afinidades globais, que já digeriu um vasto leque de referências na era da internet. Não procuram a mistura fragmentada de alusões. Simplesmente fazem parte do que são.  

E isso tanto está presente na música, aparente amalgamento de elementos – dinâmicas electrónicas, técnicas e motivos resgatados ao hip-hop, ou modelo de canção pop envolvido em balanço funk – como na forma como o colectivo se apresenta em palco, mistura de modelos rock, linguagem audiovisual e performance dançante. Em palco as atenções concentram-se numa pequena vocalista de ar oriental que de vez em quando também toca teclados, enquanto à sua volta se movimentam três performers-bailarinos-cantores (duas raparigas e um rapaz) que não param por um momento quietos e três músicos, em bateria, guitarra e teclados. A atribuir sentido ao todo um cenário imparável de imagens e luzes coloridas, onde tanto a natureza é hiperbolizada como a vida nas urbes.

Mas, afinal, quem são os Superorganism? Quando a sua primeira canção, Something for your M.I.N.D., começou a circular na internet, no final do ano passado, não era fácil encontrar informações sobre eles. E não era estratégia. Simplesmente o colectivo não esperava que tivesse impacto, com aquele ritmo desengonçado, linhas de baixo redondas e vozes em colisão psicadélica, a produzirem novos sentidos para uma pop arco-íris. Mas o boca-a-boca virtual foi funcionando e alguns nomes, como Frank Ocean, Ezra Koenig (Vampire Weekend), ou David Byrne, como constatámos em entrevista recente, foram-se deixando conquistar.

Chegou a especular-se que poderiam ser um projecto paralelo de Kevin Parker dos australianos Tame Impala, mas nada disso. Quando finalmente, no decorrer deste ano, surgiram as primeiras entrevistas, o mistério aclarou-se. O grupo decorria de um outro, os neozelandeses The Eversons, que com essa designação nunca conseguiram grande projecção. Mas tinham, pelo menos, uma admiradora: Orono Noguchi, uma japonesa de, na altura, 17 anos, que estava a estudar nos Estados Unidos, e que os contactou pelas redes sociais, para lhes declarar devoção, tendo depois assistido a um concerto do grupo, tornando-se amiga e próxima deles.  

Na altura compunham temas instrumentais, recorrendo aos mais diversos fragmentos de sons – de caixas registradoras a gravações de filmes ou pássaros a cantar – mas faltava-lhes uma voz convincente. Foi aí que decidiram enviar a Orono Noguchi o instrumental de Something for your M.I.N.D. para que ela criasse uma letra e cantasse por cima da estrutura instrumental o que acabou por acontecer com celeridade. Quando ela reenviou o resultado tinham nascido verdadeiramente os Superorganism.

Depois de algumas conversações, os membros do colectivo, que haviam decidido rumar a Londres, no âmbito de uma residência artística, acolheram também a japonesa, tendo deste então aí permanecido todos juntos. Entre neozelandeses, australianos e japoneses, acabaram por juntar-se também ingleses, e agora são oito. O resto é mais ou menos conhecido. A editora Domino (Arctic Monkeys, Franz Ferdinand) interessou-se por eles e em Abril deste ano lançaram o álbum de estreia, tendo vindo a conquistar paulatinamente cada vez mais público. O curioso é que o álbum foi gravado integralmente antes de qualquer concerto.

O que é desarmante é a maneira simples, mas extremamente eficaz e inventiva, como as canções resultam, alternando entre o deslumbramento e a melancolia, o divertido e o aborrecido, com a voz e atitude de Orono Noguchi parecendo ausente, para logo de seguida nos ligar à terra de uma forma irónica. Os diversos elementos que constituem a música coordenam-se, sustentam um corpo pop nada previsível, sem comprometerem a exaltante frescura que transpira da maioria das canções.

No Porto deu para perceber que a sua música estapafúrdia, por vezes povoada pelo imaginário dos videojogos, resulta mesmo aliciante ao vivo, parecendo fazer eco de bandas excêntricas de outras décadas (como os B-52’s ou Talking Heads) ou do presente (como os The Avalanches), embora o resultado final respire singularidade por todos os poros, como é audível em canções que auguram o Verão como Everybody wants to be famous, Nobody cares ou Reflections on the screen.

No dia em qua actuaram no Porto, o céu estava cinzento, parecia que a qualquer momento se abateria uma tempestade no local. Mas não. Em palco envergavam-se impermeáveis coloridos, as imagens eram tecnicolor e a música emanava total diversão, contagiando todos os que assistiam, como se suspendesse a realidade. A chuva só chegaria no dia seguinte.

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