Eritreia e Etiópia avançam para terminar de vez com a sua guerra

Os obstáculos à implementação do acordo de paz de 2000 vinham, até agora, sobretudo do lado etíope, que apontava questões técnicas e burocráticas como razões para recusar a sua aplicação.

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Soldado etíope faz vigilância perto da cidade contestada de Badme, na fronteira com a Eritreia Reuters/Tiksa Negeri

Uma das muitas feridas abertas em África pode estar próxima de começar a sarar. A Eritreia anunciou que vai enviar uma delegação governamental à vizinha Etiópia, pela primeira vez desde que estalou um conflito militar entre os dois países há vinte anos.

O Presidente eritreu, Isaias Afwerki, fez o anúncio durante o Dia dos Mártires, num discurso em que também elogiou os “sinais positivos” que tem recebido do outro lado da fronteira.

Afwerki referia-se a Abiy Ahmed, o recém-eleito primeiro-ministro etíope que desde que tomou posse, no início de Abril, tem promovido profundas mudanças na Etiópia. Uma das medidas que pode ter maior  foi a promessa feita este mês por Ahmed de cumprir integralmente as disposições do Tratado de Argel que pôs fim à guerra entre os dois países.

O tratado, assinado em 2000, teve como objectivo pôr fim ao terrível conflito que tinha deflagrado dois anos antes entre os países e que custou a vida a mais de cem mil pessoas, arruinando ainda mais dois dos Estados mais pobres em África. Mas, quase duas décadas depois da sua assinatura, as suas principais disposições continuam por aplicar e, apesar de o conflito em larga escala não ter sido reaberto, há escaramuças esporádicas entre os Exércitos dos dois países ao longo da fronteira.

Os obstáculos à implementação do acordo vinham, até agora, sobretudo do lado etíope, que apontava questões técnicas e burocráticas como razões para recusar a sua aplicação. Um dos pontos de maior desacordo é o estatuto da cidade fronteiriça de Badme, controlada pela Etiópia, mas que a Eritreia reivindica – e que lhe pertence, à luz do Tratado de Argel.

No início do mês, o Governo de Addis Abeba revelou estar disponível para aceitar finalmente a jurisdição eritreia sobre a cidade, dando um passo de gigante para que o conflito seja resolvido definitivamente. “O sofrimento em ambos os lados é indescritível porque o processo de paz está bloqueado”, disse então o chefe do gabinete de Ahmed, Fitsum Arega. Em resposta, o Presidente eritreu anunciou o envio de uma delegação para se sentar à mesa com responsáveis etíopes, embora não haja ainda data para que o encontro aconteça.

“Enviar uma delegação para iniciar conversações com os etíopes é um grande desenvolvimento”, disse à Reuters o especialista no Corno de África no Instituto para os Estudos da Commonwealth, Martin Plaut. “Este é o tipo de marco que pode acabar com a situação de impasse sem guerra, nem paz que tem estado em vigor desde a guerra fronteiriça em 2000”, acrescentou.

A indefinição nas fronteiras entre os dois países, e a manutenção de um estado de guerra de baixa intensidade, têm servido de justificação para que Afwerki mantenha um dos regimes mais autoritários e fechados no continente africano. O ditador instituiu um sistema de recrutamento militar obrigatório para todos os homens que pode durar décadas, constituindo na prática uma forma de trabalhos forçados.

Frequentemente, os recrutas acabam por trabalhar em obras públicas, onde recebem pouco mais que um dólar por dia, sem poderem estudar ou procurar outros empregos. O período de recrutamento tem oficialmente a duração de 18 meses, mas está na verdade dependente da vontade de determinados comandantes.

A dureza e a repressão do regime de Afwerki, responsável por uma pobreza com pouco paralelo – a recruta retira milhares de pessoas das explorações agrícolas, votando a população à escassez de alimentos – está na origem de um dos maiores fluxos migratórios de refugiados, tendo como destino a Europa ou o Médio Oriente.

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