Os bancos centrais e o novo problema de os salários não subirem

Taxa de inflação persistentemente abaixo das metas e riscos de uma escalada dos conflitos comerciais unem responsáveis dos principais bancos centrais mundiais presentes em Sintra.

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Se no passado, o mais habitual era vermos os bancos centrais a lançar alertas contra os riscos da inflação e a pedirem moderação salarial, agora existe a forte possibilidade de se ver alguns dos principais responsáveis pela condução da política monetária a nível mundial a queixarem-se da dificuldade de fazer a subir a inflação e a lamentar-se da forma modesta como os salários estão a subir.

Foi isso que aconteceu na última sessão do Fórum do Banco Central Europeu que terminou esta quarta-feira em Sintra. Os líderes das autoridades monetárias da zona euro, Estados Unidos, Japão e Austrália debateram a questão do momento entre os bancos centrais: apesar dos estímulos monetários inéditos que foram sendo distribuídos pela economia, as taxas de inflação continuam abaixo das metas desejadas, tornando evidente que os instrumentos de política usados no passado não estão a ter o mesmo efeito que antigamente.

“Há uma variedade de respostas sobre porque é que a inflação está tão baixa”, afirmou o anfitrião do encontro na sessão final, referindo algumas das explicações possíveis que foram sendo dadas ao longo dos dois dias do Fórum por vários economistas: a crescente concorrência das economias emergentes, os problemas de medição da inflação ou próprio sucesso do BCE a criar nos agentes económicos expectativas de inflação baixa. O que é certo é que os salários não estão a crescer como seria de esperar face ao actual nível de desemprego e isso faz com que os responsáveis dos bancos centrais se vejam na pouco habitual situação de referirem a perda do papel desempenhado pelos sindicatos.

“As negociações salariais mudaram e um dos motivos para os aumentos salariais mais baixos é o desaparecimento dos sindicatos”, afirmou Mario Draghi, que, à frente do BCE tem tentado nos últimos anos colocar a taxa de inflação mais próximo da meta dos 2%.

Na zona euro, a inflação ainda só está neste momento nos 1,4%. Ainda assim, apesar das dificuldades reconhecidas em fazer subir este indicador, Draghi e o seu homólogo da Reserva Federal Jerome Powell reafirmaram a convicção de que o cenário está agora finalmente a mudar, com sinais de aceleração dos salários que se podem vir a repercutir na inflação. É por isso, que o BCE vai colocar um ponto final no seu programa de compra de activos e a Fed voltou na semana passada a subir taxas de juro.

Ainda assim, é evidente que o regresso à normalidade vai demorar tempo. O governador do banco central da Austrália defendeu a ideia de que o melhor ”é aceitar que a inflação vai ter de ser mais baixa do que gostaríamos durante ainda algum tempo”, sendo preferível evitar muitos estímulos monetários. “Vamos tentar fazer subir a inflação procurando que as expectativas de aumentos salariais se reforcem”, afirmou Philip Lowe, também a braços com uma inflação abaixo do desejado. Esta tarefa, no entanto, também não se afigura fácil. “Quando os empresários me dizem que têm muita dificuldade em encontrar mão-de-obra qualificada, eu sugiro-lhes que paguem mais e atraiam os trabalhadores das outras empresas, mas eles olham para mim como se fosse louco, explicando-me que aumentar os custos é a última coisa que podem fazer por causa da concorrência da China”.

Muita experiência na tentativa mal sucedida de fazer subir a inflação, tem o governador do Banco do Japão. “A inflação muito baixa e os aumentos salariais muito baixos tornaram-se a norma entre as empresas e os próprios trabalhadores e não vai ser fácil mudar este estado de espírito”, disse, em jeito de aviso para os outros banqueiros centrais.

O governo japonês está a tentar convencer as empresas a aumentarem os salários há já cinco anos e pediu agora um aumento de 3%, não se sabendo ainda quais os resultados. “Esse aumento é necessário para consegui atingir o nosso objectivo de inflação de 2%”, afirmou Haruhiko Kuroda.

Guerra comercial preocupa

Outro tema que uniu estes quatro líderes de bancos centrais foi a escalada nos conflitos comerciais. Os responsáveis máximos das políticas monetárias da zona euro, Estados Unidos, Japão e Austrália apresentaram uma frente unida contra a aplicação de políticas proteccionistas a nível comercial, numa reacção às novas taxas alfandegárias aplicadas pela administração Trump e as consequentes retaliações de outras economias, como a União Europeia, a China ou o Canadá.

“Não é fácil e ainda é cedo para saber que impacto é que terá na confiança e nas exportações, mas há lições do passado e elas são todas muito negativas”, alertou Mario Draghi, afirmando não conseguir ver “qualquer razão para estar optimista”.

O seu homólogo da Reserva Federal, pelo facto de o actual conflito comercial ter tido origem na nova política do presidente dos Estados Unidos, foi bem mais reservado nas suas declarações, dizendo não querer comentar decisões de política comercial. Ainda assim, Jerome Powell deu conta do facto de, na Reserva Federal, se notar no diálogo que têm com actores dos mercados e do mundo empresarial, uma grande preocupação com o que está a acontecer. “É a primeira vez que estamos a ouvir falar do adiamento de decisões de investimento”, disse.

Haruhiko Kuroda, por seu lado, apesar de o Japão não estar tão directamente incluído no conflito, salientou que o efeito indirecto para o país “será significativo”. “Espero que a escalada possa ser controlada, é uma questão muito preocupante”, disse o governador do Banco do Japão.

Da Austrália, Philip Lowe classificou a situação como “incrivelmente preocupante”, alertando que “não vai demorar muito até que os mercados financeiros tornem isto numa grande questão”. O líder do banco central australiano deixou ainda uma crítica directa à política de Trump: “Não creio que tenha havido um país que tenha conseguido criar prosperidade construindo muros à sua volta”.

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