Portugal-Marrocos à lupa: A difícil eficácia no resultado

O Laboratório de Perícia no Desporto da Faculdade de Motricidade Humana analisou o jogo Portugal-Marrocos com base nos dados fornecidos pela InStat. Esta informação permite calcular a rede de acções que liga os jogadores de cada equipa.

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A equipa portuguesa iniciou o jogo posicionada em 1-4-4-2, em que Bruno Fernandes trocou com João Mário relativamente ao jogo com Espanha. Por seu lado, a equipa de Marrocos estava posicionada em 1-4-1-4-1, com 2 sub-blocos de 5 jogadores.

A rede de acções de Portugal apresenta semelhanças com a que foi revelada no jogo com Espanha, mas também aspectos que as distinguem e que ajudam a entender a percepção pública, de que foi um jogo “sofrido”, usando a palavra referida pelo seleccionador nacional. No jogo com Marrocos, Portugal realizou mais passes (387) do que no jogo com Espanha (366), mas com menos precisão (76% de eficácia, para 87% no jogo com Espanha). Os marroquinos, por seu lado, realizaram um volume bem maior de passes (466), com uma precisão semelhante à portuguesa. Estes dados indicam que, em termos absolutos, Marrocos circulou mais vezes a bola do que Portugal, sem que esta fosse interceptada. Em termos defensivos, a selecção de Marrocos recuperou 66 bolas a Portugal, ao passo que a selecção portuguesa recuperou apenas 49, em que 36 recuperações foram através de cortes para fora. Finalmente, Marrocos conquistou 16 oportunidades para marcar golo, ao passo que Portugal conseguiu 10. Destes dados deduz-se a dificuldade de Portugal em construir jogo ofensivo e em impedir os ataques marroquinos.

Em termos globais, a rede de Portugal (ou seja, a síntese da dinâmica da equipa) foi mais uniforme que no jogo com Espanha, pois apresentou uma centralização de 47% (para 57% no jogo anterior), uma densidade (11%) e reciprocidade (60%) semelhantes, e uma heterogeneidade um pouco menor (72%, para 76% no jogo com Espanha). De salientar novamente o padrão que surge no lado esquerdo de Portugal, que já indicia a sua assinatura, razão pela qual a heterogeneidade é relativamente alta. Outro aspecto que contribui para esta assinatura é o papel proeminente de Raphaël Guerreiro (sobretudo na ligação aos avançados G. Guedes e C. Ronaldo), William (o jogador que mais circulou a bola) e João Moutinho (com 95% de precisão nos passes).

A rede de acções de Marrocos apresenta uma densidade (17%), uma centralização (56%) e uma reciprocidade (67%) pouco superiores às da equipa portuguesa, e uma homogeneidade superior (heterogeneidade 61%). O jogador que mais passes realizou foi Dirar com uma precisão de 93%. O tempo em posse da bola foi equivalente entre as duas equipas.

Destacamos os momentos do jogo que ajudam a perceber estes padrões da dinâmica das equipas. Portugal chega cedo à vantagem (4’), num lance de canto em que Cristiano Ronaldo se consegue libertar da marcação individual e marca de cabeça o único golo do jogo.

A equipa portuguesa procurou nos momentos iniciais pressionar o início de construção do ataque marroquino através de Cristiano Ronaldo e Gonçalo Guedes. Marrocos quando não conseguia jogar de forma apoiada procurava alongar o jogo para o ponta-de-lança Khalid Boutaib, o jogador para quem o guarda-redes El Kajoui mais passes efectuou. A equipa de Marrocos criou várias situações de ataque pelo seu lado direito, principalmente por Amrabat. De destacar a ligação de Hakimi a Amrabat, através de variações do corredor esquerdo para o direito, que criaram muitas dificuldades à equipa portuguesa.

Ao longo do jogo, Portugal procurou sair em ataque rápido, tentando passar directamente a Gelson Martins, Cristiano Ronaldo (que além dos passes de R. Guerreiro e de Moutinho, recebeu muitos passes de Cédric) e envolvendo também Gonçalo Guedes (sobretudo por passes de Pepe) e Bruno Fernandes nos movimentos de contra-ataque. De destacar também a menor precisão dos passes dos defesas Pepe, Fonte e Cédric. O jogo termina com a equipa de Portugal num bloco defensivo mais baixo, permitindo algumas situações de remate à baliza pela equipa marroquina.

Portugal foi eficaz e venceu o jogo. Todavia foi menos eficaz do que com Espanha, não só no número de golos e oportunidades para os marcar, como também nas ligações a Ronaldo. A título ilustrativo, William que foi o jogador que mais fez circular a bola, não estabeleceu padrões de ligação aos avançados. Todavia há que destacar a elevada percentagem de passes chave (passes realizados para um jogador, ou em posição de marcar golo, ou que ultrapassa toda a linha defensiva adversária) da equipa portuguesa (83%) em comparação a Marrocos (31%).

Portugal foi também eficaz defensivamente ao equilibrar o meio-campo dominado por Marrocos, com o reposicionamento de João Mário mais ao centro. Este aspecto é acrescido à acção determinante de William e de Moutinho fazendo lembrar a frase de Guardiola: "Não marques um jogador, ocupa o espaço entre dois jogadores”. Ronaldo destacou-se pela sua mobilidade, descendo aos corredores, tanto para levar a bola até próximo da baliza adversária, como para atrair jogadores marroquinos e abrir espaço na sua defesa, por exemplo, para G. Guedes. Embora de forma “sofrida”, Portugal mostrou ter assinatura e soluções adaptativas.

Duarte Araújo, José Maria Pratas, Rui Freitas, Rui J. Lopes

Laboratório de Perícia no Desporto da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa; e ISCTE-IUL. Dados fornecidos por InStat.

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