O mesmo filme do Euro 2016, virado do avesso

Há dois anos, antes de se sagrar campeã da Europa, a selecção portuguesa fez fez dois grandes jogos, mas não conseguiu vencer.

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Jogadores portugueses após o jogo com Marrocos LUSA/SERGEI CHIRIKOV

18 de Junho de 2016. Depois de um jogo em Saint-Étienne em que a Islândia empatou com Portugal na estreia de ambos no Euro 2016, Paris assistiu a um massacre ofensivo da selecção nacional sobre a Áustria. No final, o bloco de notas assinalava duas bolas nos postes austríacos, 23-3 em remates, 10-0 em cantos, 59%-41% em posse de bola. E um penálti, falhado por Cristiano Ronaldo. Apesar do claro domínio português, no Parque dos Príncipes foram os austríacos que festejaram. O jogo acabou a zero, mas tinham resistido e era Portugal que entrava em crise. Fernando Santos desabafava no dia seguinte: “Às vezes há galo. Fizemos uma exibição muito, muito boa, com o único senão de não termos concretizado.” E deu o corpo às balas, defendendo o alvo de quase todas as críticas. “A grande arma do Cristiano é que reage muito forte. Também no Real Madrid aconteceu algo parecido a isto [da crise de golos] e depois marcou cinco.” Déjà vu?

Dois anos depois, após o segundo jogo de Portugal no Mundial da Rússia, a pergunta é inevitável: onde é que eu já vi isto? Tal como em França, a selecção nacional ainda não perdeu e a vitória em Moscovo frente a Marrocos coloca os portugueses a um nível que na Europa só a super-Espanha do “tiki-taka” atingiu: 16 jogos consecutivos sem perder em fases finais. A campeã do mundo Alemanha, a 16 de Junho de 2014, foi a última selecção que conseguiu derrotar Portugal numa fase final durante o tempo regulamentar. Paulo Bento era o seleccionador. Fernando Santos ainda não perdeu. Mas, para além da invencibilidade, quais são os pontos em comum entre os dois primeiros jogos da equipa nacional no Euro 2016 e no Mundial 2018? Apenas as críticas no final dos jogos.

Em França, Portugal estreou-se com uma Islândia que era olhada com desdém por todos. A selecção nacional dominou o seu oponente do princípio ao fim, criou uma mão-cheia de oportunidades, sofreu um golo na única oportunidade criada pelos nórdicos, e terminou a partida com um desnível na estatística raramente visto em fases finais: 27-4 em remates, 11-2 em cantos, 66%-34% na posse de bola. Há menos de uma semana, em Moscovo, a Argentina de Messi, que se dá ao luxo de deixar Higuaín e Dybala no banco, não conseguiu ser tão dominadora e ficou a saber de que é feito o iceberg islandês. Hoje, ninguém questiona a competência da Islândia.

Depois, contra a Áustria, o filme repetiu-se. Volume de jogo ofensivo em quantidade, problemas na concretização. Em duas partidas, Portugal tinha rematado por 50 vezes, consentindo que os rivais apenas fizessem sete disparos na direcção da sua baliza e, mesmo assim, não conseguiu vencer. Ainda sem qualquer golo marcado, Cristiano Ronaldo ficou no ponto de mira. E foi assim que, no dia do decisivo terceiro jogo de Portugal no Euro 2016, surgiu o mediático episódio do lançamento do microfone da CMTV para um lago em Lyon.

Agora, na Rússia, tudo está virado do avesso. De vilão em França, Ronaldo passou a único "capaz de salvar a honra da pátria". De ineficaz no Euro 2016, Portugal passou a ter uma fiabilidade ofensiva admirável (quatro golos em 18 remates), mas, como foi dominado por um dos candidatos à vitória na prova (Espanha) e uma das melhores selecções de África (Marrocos), os quatro pontos e a posição privilegiada para garantir o primeiro lugar do Grupo B não servem de consolo ou desculpa. É o fado português.

As semelhanças e as diferenças entre o Euro 2016 e o Mundial 2018 trazem, portanto, vários motivos de preocupação para Fernando Santos. Se em França a selecção portuguesa até podia não convencer a nível exibicional, mas colectivamente revelava-se compacta e quase insuperável, na Rússia o problema não se resume a uma mera questão estética. As dificuldades da equipa a nível defensivo são conhecidas. Pepe e Fonte têm mais dois anos do que em França; Raphaël Guerreiro é uma sombra do jogador que deslumbrou em 2016, quando fazia todo o corredor esquerdo com uma qualidade soberba. No meio-campo, a época não foi brilhante para João Mário e para Adrien Silva. No ataque, o segundo jogador português mais temido pelos rivais também continua sem aparecer: após falhar o Euro 2016 por lesão, Bernardo Silva parece estar ausente da Rússia. Em todo o caso, as maleitas portuguesas não se resumem ao peso da idade ou ao mau momento de forma de alguns atletas. Fernando Santos tem alguns equívocos para resolver.

Contra espanhóis e marroquinos, o técnico apostou em Gonçalo Guedes como muleta de Cristiano Ronaldo. No desenho, Portugal não abdicou do 4x4x2 que encaixa como uma luva nas características do seu capitão, mas com o madrugador golo português nos dois jogos, Santos não demorou a avançar para o “plano B”: 4x3x3, com Guedes na esquerda; Bernardo na direita, Ronaldo sozinho na frente. Com isso, Portugal entrega o domínio ao rival, abdicando da sua personalidade. O melhor que se viu dos portugueses na Rússia foram os últimos 10 minutos do jogo contra a Espanha, com André Silva ao lado de Cristiano Ronaldo. Apenas coincidência?

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