“Qualquer representatividade é melhor do que nenhuma”

Dos currículos aos regulamentos internos, há várias formas de as escolas promoverem a inclusão dos estudantes LGBTI. O investigador Stephen Russell, que participa esta quarta-feira num seminário na UP em que será apresentado um estudo da ILGA, fala sobre o impacto que estas medidas podem ter na percepção de segurança dos estudantes.

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Stephen Russell, da Universidade do Texas, vai estar no Porto para falar sobre políticas educativas nos Estados Unidos relativas a questões de orientação sexual e identidade de género Nelson Garrido

bullying homofóbico é um dos problemas mais conhecidos dos jovens LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo) nas escolas, mas o que pode ser feito para fazer com que o ambiente escolar seja seguro para todos? Que medidas têm mais impacto para que jovens com orientação sexual ou identidade de género “não normativas” tenham todas as condições necessárias para se sentirem bem na escola?

“É difícil dar uma resposta simples, e as que existem não são perfeitas”, diz Stephen Russell, investigador da Universidade do Texas, em conversa com o PÚBLICO. “Mas estou convencido de que qualquer representatividade é melhor do que nenhuma”, refere este especialista em estudos sobre adolescência, que já dedica mais de 20 anos a conhecer a realidade dos jovens LGBTI nas escolas de Estados norte-americanos como a Carolina do Norte e Califórnia.

Esta representatividade pode referir-se às diferentes formas como as questões relacionadas com orientação sexual, identidade de género e expressão de género podem ser abordadas no contexto escolar. Da investigação que se conhece, explica-nos o investigador, o reconhecimento destas questões traduz-se, de forma mais ou menos directa, no aumento da percepção de segurança de alunos no espaço escolar, o que tem um impacto positivo na sua saúde e bem-estar emocional. Por exemplo, jovens LGBTI sentem-se mais acolhidos na escola quando aprendem sobre estas questões nas aulas (seja as de Educação Sexual ou História, passando por Matemática ou Educação Física) ou quando existem grupos de alunos para debater estes temas, como as chamadas Alianças para a Diversidade. E ainda quando professores e funcionários estão preparados para apoiar estes estudantes e há regras claras no regulamento interno contra a discriminação e o bullying homofóbico.

E o respeito pela identidade de alunos pode ter efeitos expressivos. Entre as conclusões mais recentes dos seus estudos, o investigador observou que a possibilidade de usar o “nome social” (o nome escolhido, por oposição ao que foi atribuído à nascença) por jovens transgénero está associado a menores níveis de depressão e comportamento suicida. 

“Nós, como adultos, pensamos que as pequenas coisas que podemos fazer não são grande coisa. Mas o que ouvimos dos estudantes... Basicamente, a fasquia está muito baixa”, lamenta o investigador. Agir em casos de bullying, por exemplo, deveria ser uma obrigação de qualquer professor e não um favor. Num dos estudos em que perguntaram aos estudantes quando é que se sentiam apoiados no que toca a questões LGBTI, muitos disseram que “se sentiam apoiados quando os professores intervinham nas situações de bullying. É óptimo que isso os faça sentir-se melhor, mas parece-me o nível mais baixo possível, o facto de nem sequer esperarmos isso... Não deveria ser normal?”

Certo é que em muitas escolas não é bem assim. A nível europeu, 67% dos inquiridos num estudo da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais afirmaram ter “ocultado ou dissimulado na escola o facto de serem LGBT antes de completarem 18 anos”. Nos dados do inquérito, publicados em 2013, é possível ver que 29% dos portugueses inquiridos disseram que se tinham sentido discriminados em ambiente escolar ou universitário no ano anterior à aplicação do questionário, e “94% dos jovens LGBT ouviram ou testemunharam comentários negativos ou bullying em contexto escolar em Portugal”.

Criar alianças

Nesta quarta-feira, serão conhecidos os resultados do Estudo Nacional sobre o Ambiente Escolar, coordenado pela ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo), que trarão um retrato de como os jovens entre os 14 e os 20 anos com identidades não normativas se sentem nas escolas em Portugal. A apresentação será feita durante um seminário na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, no qual Stephen Russell falará sobre programas e políticas relativas à orientação sexual e identidade de género nas escolas norte-americanas, e onde participam investigadores portugueses e outros agentes que fazem intervenções comunitárias com jovens LGBTI.

“Não há nenhum levantamento sistemático sobre escolas que estejam a implementar medidas concretas de inclusão de jovens LGBTI”, diz Telmo Fernandes, coordenador de projectos da ILGA, explicando a necessidade de recolher mais dados para conhecer as experiências específicas dos adolescentes, em particular as de discriminação.

O sociólogo recorda o que tem observado ao longo de vários anos de trabalho com adolescentes: “não poderem sair do armário, não poderem ser visíveis, experiências de insultos e isolamento, baixa auto-estima.” “No contacto com jovens, testemunhamos que existe muita dificuldade em serem visíveis”, já que muitas das experiências negativas resultam dessa visibilidade - que “nem sempre é por iniciativa própria”, mas muitas vezes devido à “expressão do género” que não pode ser ocultada.

No ano passado, na sequência de um incidente na escola de Vagos, a ILGA-Portugal lançou o projecto Alianças da Diversidade (ADD), coordenado por Telmo Fernandes, que procura criar grupos dentro das escolas para capacitar jovens “para serem mais activos e activas no seu posicionamento nas questões LGBTI”.

Uma das ADD criadas foi a do Agrupamento de Escolas de Ovar Sul, onde a psicóloga Patrícia Oliveira explica que existem vários factores que motivaram os alunos a juntarem-se a este tipo de grupos. De um lado estão alunos “que têm orientação sexual não-heterossexual, e que travam uma série de batalhas familiares, pessoais, sociais, que estão a sair do armário e precisam de ser ouvidas”, enquanto há também colegas heterossexuais “que sentiram que amigos que tinham orientação sexual diferente podiam estar a ser vítimas de bullying homofóbico”.

E acções como a iniciativa “Expressa as tuas cores”, em que os estudantes tiveram oportunidade de “ouvir e serem ouvidos” sobre género e sexualidade - levando também o tema para as aulas -, deixaram também nos alunos a sensação de que “finalmente viam acontecer alguma coisa na escola” que dizia respeito às suas vivências quotidianas, comenta a psicóloga.

Visibilidade

Mas será fácil para os professores trabalharem estes temas? A psicóloga diz que alguns docentes procuram conselhos, mas que não lhe chegam “muitas perguntas com conotação homofóbica”. Pelo contrário, as questões que lhe são feitas vão sobretudo no sentido de compreender como ajudar os alunos a passarem por estes processos, pedindo apoio para lidar com casos de bullying, ou mesmo como conversar com pais e mães, já que os directores de turma, em particular, “acabam por ser as primeiras caras com quem os pais muitas vezes desabafam”.

A questão da informação é vista como essencial pela secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro. “A escola tem que ser mais integradora e mais conhecedora destas situações, que resultam muito do desconhecimento”, reconhece a secretária de Estado, recordando que “da parte do Ministério da Educação há uma grande proactividade para estas matérias”. Até Setembro, afirma, mais de 800 docentes deverão ser formados no contexto da unidade curricular de Cidadania e Desenvolvimento, na qual também estão incluídos conteúdos sobre igualdade de género e não-discriminação em razão da orientação sexual e identidade de género. Rosa Monteiro espera ainda que a nova lei da identidade de género, que regressou ao Parlamento depois de ser vetada pelo Presidente da República, venha a desencadear nos docentes motivação para procurarem mais informação, salientando “o seu trabalho na promoção dos direitos das crianças e jovens LGBTI.” “São realidades que vão sendo mais faladas, que ganham mais visibilidade”.

A falta de visibilidade foi, precisamente, um dos primeiros obstáculos encontrados por Márcia Sousa quando se mudou para Loulé, no início do ano, para tentar promover as questões LGBTI nas escolas do sul do país. A jovem de 27 anos conta que, apesar dos contactos que estabeleceu com professores de várias escolas e com a própria câmara, ainda não conseguiu realizar nenhuma acção de formação nas escolas, para as quais reúne experiência adquirida através do voluntariado na Rede Ex-aequo.

Mas para a activista do colectivo Somos Blergh, que começou por promover debates sobre minorias no Porto desde o final do ano passado, há uma grande falta de informação sobre questões de género e sexualidade que deve ser colmatada também na escola. “Às vezes as pessoas esquecem-se de que estas questões existem, que têm que ser abordadas, têm que ser faladas, e têm que ser esclarecidas. Estes jovens saem daqui com muito pouca informação.” E não é por ser uma questão menos importante. Márcia Sousa recorda a primeira marcha LGBTI de Faro, que aconteceu este ano. “Havia muita malta jovem, malta que necessita de alguém que lhes dê oportunidade de sair para a rua. Notava-se que tinham sede disto.”

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