Líder e bancada do PSD em dissonância sobre estratégia de oposição

Rio explicou aos deputados a receita que sempre usou "contra ventos e marés": colaborante mas acutilante com o Governo. Os deputados não se entusiasmaram.

Escola secundária de Chaparral
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Rio e Negrão nas jornadas parlamentares do PSD
Rui Rio
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Líder do PSD esteve na Guarda
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Esta foi a segunda vez que Rio falou aos deputados

Rui Rio entrou na sala acompanhado por alguns membros da direcção da bancada e do partido, mas não se dirigiu a nenhum dos deputados que estavam sentados à sua espera para o encerramento das jornadas parlamentares, na Guarda. Nas várias filas de mesas e cadeiras, nenhum deles se levantou nem aplaudiu com convicção quase até ao final do discurso. A frieza na sala foi visível e espelha o desagrado dos deputados com a estratégia do líder do PSD, da qual a posição sobre os professores é o exemplo mais recente. E o relacionamente parece ainda ter ficado mais distante depois de os deputados ouvirem um discurso que deixou espaço para uma derrota eleitoral e um bloco central.

Já passavam 30 minutos do início da intervenção quando os deputados aplaudiram vigorosamente o líder do partido. A frase era uma dura crítica ao Governo. “O discurso do milagre económico é uma aldrabice política”, disse, citando uma aparente sondagem de percepção: “70 a 80% dos portugueses já perceberam”. Rio deixou até um elogio indirecto ao governo de Passos Coelho perante uma bancada de “passistas”: “Durante o primeiro ano, 2016, embalados no pós-troika foram dizendo que estava mal, mas agora está muito bem. Eles não fizeram nada por isso. O discurso era à boleia do que era feito antes e depois, pela conjuntura económica”.

Até este primeiro sinal positivo dos deputados, Rui Rio tinha anunciado que o partido iria trabalhar num documento idêntico ao da natalidade mas com medidas sobre a valorização do interior, além de um outro sobre a reforma na justiça e da zona euro. Propostas que serão integradas no programa eleitoral do PSD e que servem para dois cenários – “quer ganhemos eleições quer, já agora, eventualmente não ganhemos eleições”.

O líder social-democrata disse não acreditar em “fogachos” só para “conseguir uma manchete de um jornal”. “Ou são as medidas todas para perdurar no tempo ou não servem para nada. Se não formos a liderar, é para empoderar o país com as medidas que tenham o nosso apoio e solidariedade, para que, efectivamente, essas medidas possam actuar no seu conjunto”, disse.

Deputados contactados pelo PÚBLICO consideram que o discurso deixa implícito o cenário de derrota nas próximas legislativas e de um possível bloco central. Uma estratégia que tem sido contestada na bancada parlamentar desde o início da liderança de Rui Rio, que começou por fazer dois acordos com o Governo sobre matérias consideradas estruturantes – a descentralização e o próximo quadro comunitário de apoios. Há quem veja com bons olhos a imagem de estadista que estes entendimentos podem dar, mas quem aponte riscos eleitorais.

Discordâncias concretas

O caso das carreiras dos professores é o exemplo mais recente da discordância dos deputados face à posição assumida por Rui Rio – a de que o país não tem condições para fazer a contagem integral do tempo do congelamento. Um parlamentar ouvido pelo PÚBLICO questiona como é que o PSD se coloca na situação mais difícil do problema quando devia empurrar para o Governo a responsabilidade do descontentamento na classe.

No discurso, o líder do PSD foi mais contido e acusou o Governo de ter prometido o que não podia cumprir. Mas até justificou a posição de António Costa: “A nossa função não é empurrar o Governo para a irresponsabilidade e populismo de dar aquilo que não pode dar”.

Com o líder da bancada Fernando Negrão a abrir a porta a que o PSD vote contra a contagem integral do tempo de carreira congelada, o tema parece ser contraditório na liderança do partido, já que David Justino, vice-presidente e coordenador para a área da educação, reconheceu o direito dos professores em recuperar todo o tempo congelado de carreira, em entrevista ao PÚBLICO/RR na passada quinta-feira.

Já na votação da eutanásia, outra questão em que as divergências se evidenciaram, os deputados consideraram que a questão foi mal gerida por Rio – que deu liberdade de voto na bancada – ao colocar no PSD o ónus de poder vir a viabilizar as propostas da esquerda. Movimentações internas levaram a que os sociais-democratas favoráveis à eutanásia não votassem a favor de todos os projectos, o que permitiu o chumbo de todos.

Com um discurso de aproximação ao PS – e de afastamento do CDS – os deputados temem o sentido de voto do próximo Orçamento do Estado num momento em que os actuais parceiros do Governo, PCP, BE e PEV, sobem o tom da contestação na geringonça. David Justino, na mesma entrevista, veio tranquilizar os que receavam a opção pela abstenção, defendendo que é difícil o PSD ter outra posição que não seja a do voto contra. Mas esta terça-feira o líder da bancada já não assumiu o mesmo e rematou o assunto com um “veremos”, em entrevista ao Observador.

Rui Rio aproveitou o segundo momento em que esteve perante os deputados – o primeiro foi depois do congresso numa reunião no Parlamento – para explicar a sua estratégia de oposição. “Vamos ser construtivos e colaborantes em tudo aquilo que só com outros pode ser feito. Devemos ser acutilantes nas críticas ao Governo e devemos ser sérios e competentes nas propostas”, explicou. Sem o dizer claramente, o líder do PSD evocou os louros de ter ganho eleições autárquicas na Câmara do Porto, mesmo com a guerra declarada ao Futebol Clube do Porto, ao dizer que é uma receita “que deu sempre resultado, pode ser que um dia não dê”. O inimigo agora é outro e pode estar ali à sua frente: “Uma receita que apliquei contra ventos e marés”.

Quando a sintonia falhou

Embora com menor expressão, houve momentos anteriores em que a falta de sintonia entre a bancada e o líder do partido se se tinha feito notar – sem contar com o a eleição de Fernando Negrão, que teve 35 votos a favor, 32 brancos e 21 nulos (em 89 deputados).

Em Maio, durante um debate sobre saúde, o PSD pediu a demissão do ministro Adalberto Campos Fernandes considerando que, face ao “descalabro instalado” no sector, “a única atitude séria que se poderia esperar era a sua demissão aqui e agora”. O repto foi lançado pelo deputado Ricardo Batista Leite, que é porta-voz para a Saúde no Conselho Estratégico Nacional do PSD, mas que nem por isso deixou de ser desautorizado por Rui Rio. “Não é propriamente o meu estilo” pedir a demissão do ministro, disse o líder do PSD.

Dias depois desta clarificação de Rio, houve um novo pedido de demissão. Carlos Abreu Amorim exigiu a saída de Pedro Siza Vieira depois de o Expresso ter feito manchete com o eventual conflito de interesses do ministro Adjunto no relacionamento com a China Three Gorges, accionista da EDP. Uma posição que foi reforçada por Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada há uma semana, no Parlamento, no final de uma interpelação ao Governo sobre Justiça.

“Quem não cumpre regras legais das incompatibilidades, quem não cumpre a lei não pode ser ministro, é a própria lei que culmina essa violação com a demissão. Se não fosse a lei, devia ser pelo menos a consciência do senhor ministro Adjunto, do senhor ministro Siza Vieira, ou a consciência do primeiro-ministro a dizer-lhe que ele devia imediatamente cessar funções”, defendeu o social-democrata.
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