Raios-X: Portugal abafado pelas vagas de pressão marroquina

Menos posse, menos recuperações, incapacidade de ligar o jogo. As dificuldades (inesperadas?) do campeão europeu diante de um adversário muito intenso.

Ao contrário do que seria de esperar depois do papel maioritariamente passivo que Portugal foi forçado a desempenhar no embate com a Espanha, na estreia no Mundial 2018, nesta quarta-feira o filme repetiu-se. Praticamente na primeira investida à grande área adversária (4'), a selecção nacional marcou, mas não foi capaz de aproveitar a vantagem madrugadora para baixar os níveis de ansiedade e obrigar Marrocos a dançar ao som da música que tinha preparado para a segunda jornada do Grupo B.

Por que razão se viu tão pouco de Portugal em Moscovo? Acima de tudo, porque a equipa não foi capaz de lidar com os timings e as zonas de pressão definidos pelo adversário. Marrocos colocava com muita regularidade seis e sete unidades no meio-campo ofensivo, encurtava linhas de passe e conseguia, quase sempre, evitar que o jogador que recebia bola tivesse tempo de girar e encarar o jogo de frente. Esse foi um, senão mesmo o maior mérito da equipa orientada por Hervé Renard, que em matéria de intensidade foi sempre muito superior ao campeão europeu.

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A reacção de Marrocos à perda da bola, gerando igualdade numérica ainda no meio-campo português

Vítimas da eficaz estratégia de condicionamento montada por Marrocos, os principais mentores do jogo ofensivo português nunca foram capazes de promover ligações bem sucedidas, sendo quase sempre obrigados a jogar atrás ou a circular a bola em zonas recuadas, sem progressão. Bernardo Silva, João Moutinho e João Mário nunca tiveram o tempo suficiente para pensar e tomar a decisão que melhor servisse os interesses da equipa, recebendo a bola maioritariamente de costas para a baliza contrária e ainda no meio-campo defensivo.  

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Bernardo Silva, pressionado por El Ahmadi, é forçado a devolver a bola à última linha

A defender em 4x4x2 nas poucas ocasiões em que o rival conseguiu abordar o jogo de frente, Marrocos até foi concedendo alguns espaços entre linhas no momento da organização defensiva, mas a verdade é que Portugal nunca teve arte ou engenho para explorar essa "oferta". Porque a distância entre a primeira e a última linhas portuguesas era excessiva (Fernando Santos não terá querido ceder minimamente o flanco para Amrabat e Ziyech explorarem a profundidade e manteve sempre um bloco médio/baixo) e porque raramente Gonçalo Guedes e Bernardo Silva ou João Mário se libertavam para receberem nesse espaço.

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William não consegue encontrar uma linha de passe para aproveitar o espaço livre entre as linhas defensiva e média de Marrocos

Mesmo em organização defensiva, e porque o bloco baixava em demasia e o resto da equipa não acompanhava, Portugal apresentou-se em algumas fases do encontro como uma equipa desligada, com os sectores demasiado distantes e a facilitar a saída de bola do rival. Em boa verdade, na primeira fase de construção Marrocos teve quase sempre mais linhas de passe e mais possibilidades de sair a jogar do que o adversário, que acusou o desconforto de ter passado muito tempo a correr atrás da bola e que, obrigado a sair pelos corredores, teve dificuldades em encontrar soluções.

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As "crateras" existentes entre linhas permitiam a Marrocos explorar o espaço nas costas da linha avançada ou média de Portugal

Na defesa das bolas paradas, um dos principais trunfos de Marrocos, que trabalha bem os cantos e os livres indirectos, Portugal optou por uma defesa mista (zona + referências individuais). Era difícil a missão de José Fonte, Pepe e companhia, tendo em conta que as "torres" Mehdi Benatia e Manuel da Costa invadiam a área portuguesa nestes momentos, e a verdade é que o campeão europeu sofreu alguns calafrios, com clara influência do central da Juventus. Num deles, Rui Patrício fez a defesa do jogo, a um cabeceamento de Belhanda, no arranque da segunda parte.

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Rui Patrício no momento em que trava o cabeceamento de Belhanda, após um dos vários livres indirectos de que dispôs a selecção africana

A tendência contínua de Portugal para baixar linhas fez com que desaproveitasse o potencial que advinha de uma pressão mais alta e agressiva. Aconteceu seguramente menos vezes do que Fernando Santos pretenderia, mas quando a selecção nacional procurou condicionar a saída de bola de Marrocos logo no meio-campo contrário, mesmo nem sempre recuperando prontamente a bola, manteve o adversário à distância. E só não capitalizou esse pressing num ou outro lances porque, em regra, as tomadas de decisão com bola estiveram a léguas daquilo que se exigia.

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Ronaldo fixa Benatia e há mais quatro unidades portuguesas a dificultarem a escolha de linhas de passe, um cenário que poucas vezes se verificou em zonas adiantadas

Na segunda parte, com a equipa muitas vezes a defender em 4x1x4x1, João Mário caiu em definitivo na corredor central e Gonçalo Guedes derivou para o flanco esquerdo, ajudando a conter as iniciativas de Dirar e Amrabat. Em teoria, e especialmente depois da entrada de Gelson Martins, estavam reunidas as condições para atrair (ainda mais) o adversário para depois ir à procura de explorar a profundidade, tirando partido da velocidade dos extremos. Um potencial que acabou por ser desbaratado por um conjunto de más decisões individuais. 

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Após um canto de Marrocos, com o adversário partido e com a possibilidade de activar o contragolpe aproveitando o espaço livre no corredor central (onde se encontram Ronaldo e Adrien), Bruno Fernandes opta por bater longo. Resultado? Perda de bola

Essa incapacidade de optar pela linha de passe mais directa ou de soltar a bola no timing exigido para dar continuidade à jogada prejudicou Portugal mesmo nas pouquíssimas ocasiões em que se libertou das amarras marroquinas e conseguiu acercar-se do último terço em igualdade numérica. Perto do final do encontro, com a equipa de Hervé Renard já completamente partida à procura do empate, a selecção nacional engatou uma transição rápida que foi desperdiçada pela (má) decisão de não fazer o último passe mais cedo.

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Bruno Fernandes, em condução, demora uma eternidade a libertar a bola e acaba encurralado à entrada da área

Tudo somado, Marrocos acabou por sobressair em quase todos os indicadores estatísticos do jogo, desde a posse de bola (53% contra 47%) ao número de remates (16 contra 10), passando pelas recuperações de bola (66 contra 49). E também se superiorizou muitas vezes numa dimensão ainda mais relevante, a da tomada de decisão. O "único" parâmetro em que Portugal saiu a ganhar foi na finalização. E é esse que faz a diferença no final.

Veja aqui todas as estatísticas do Portugal-Marrocos

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