Passagem para as 35 horas esbateu efeitos da contratação de enfermeiros e técnicos superiores

Autores do Relatório Primavera 2018, que é apresentado nesta terça-feira, concluem que é necessário aumentar o “ritmo de contratação de todos os grupos profissionais, à excepção dos médicos”.

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MARIA JOÃO GALA

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem mais enfermeiros e técnicos superiores, mas a sua contratação não se reflectiu num aumento proporcional das horas de trabalho. Entre 2015 e 2017, a contratação de 3000 enfermeiros apenas significou um aumento de 0,1% nas horas trabalhadas – uma consequência da reposição das 35 horas semanais na função pública, apontam os autores do Relatório Primavera 2018, que é apresentado nesta terça-feira pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). O mesmo aconteceu com os técnicos superiores de saúde, cujas horas de trabalho só aumentaram 0,8%.

Numa altura em que as 35 horas estão novamente na ordem do dia – uma vez que a 1 de Julho este horário entra em vigor também para os funcionários com contrato individual de trabalho –, o relatório nota que, no caso dos enfermeiros e técnicos superiores, o aumento nominal apenas colmatou “o efeito da alteração à legislação laboral, não tendo tido reflexo na maior disponibilidade destes profissionais”. No grupo de técnicos superiores de saúde incluem-se psicólogos clínicos, nutricionistas, farmacêuticos hospitalares, especialistas em engenharia sanitária, física hospitalar, genética, entre outros.

A verdade é que há mais enfermeiros por habitante (no SNS o rácio aumentou de 4 para 4,5 por 1000 habitantes) e que há menos assimetrias na sua distribuição (ao contrário dos médicos). Mas isso não se traduziu num aumento da capacidade dos serviços, com os autores a notarem que o “stock de enfermeiros continua abaixo das necessidades de trabalho, sobretudo nos cuidados de saúde primários”.

A passagem para as 35 horas também esbateu os efeitos da contratação de técnicos de diagnóstico e terapêutica. O número de profissionais aumentou 3,2% face a 2015, depois da queda durante a crise, mas as horas de trabalho diminuíram (-4%). Já o trabalho médico aumentou 15,5%, devido a um reforço efectivos (+7,1%) e à prestação de serviços.

“Estes dados parecem traduzir a necessidade de reforço do ritmo de contratação de todos os grupos profissionais, à excepção dos médicos, num contexto de procura crescente de cuidados”, concluem os investigadores do OPSS.

Os autores chamam ainda a atenção para o crescimento assimétrico do número de profissionais no SNS, com privilégio daqueles que têm maior poder reivindicativo: médicos, enfermeiros e técnicos superiores cresceram mais do que a média do conjunto dos profissionais de saúde. E apontam duas preocupações: a “necessidade imediata” de contratar assistentes técnicos (secretariado clínico e administrativo), visto que em três anos as horas de trabalho global caíram 8,5%; e a falta quase absoluta de dados sobre os assistentes operacionais (auxiliares de saúde, condutores de viaturas, transportadores de mercadorias, vigilantes,…), que representam cerca de 20% dos trabalhadores do SNS.

Não se sabe quantos profissionais exercem

Entre 32% a 34% da despesa em Saúde corresponde a gastos com o pagamento de salários aos profissionais (dados de 2010 a 2015), o que significa que Portugal reserva uma menor fatia para os vencimentos do que a “generalidade dos países desenvolvidos” (38%). E quem suporta grande parte desta despesa é o sector público, concluem os autores. Por cada 100 euros gastos em Saúde, cerca de 56 euros são pagos pelo SNS e especificamente no caso dos recursos humanos o SNS paga 65 euros em cada 100 euros gastos.

Estes dados não permitem, no entanto, concluir por que razão o peso da despesa com pessoal no sector privado é mais baixo do que no público, frisa o relatório. Sobre o sector privado é, aliás, difícil de tirar conclusões, devido à falta de dados. Esta carência impede mesmo que se sabia ao certo quantos profissionais prestam cuidados de saúde no país. E dificulta a caracterização de determinadas profissões, como os dentistas, cuja esmagadora maioria trabalha no privado.

Em Portugal, sabe-se apenas quantas pessoas estão qualificadas para exercer determinada profissão na área da Saúde e quantas exercem no SNS, no continente. Mas nada disso traduz quantos profissionais estão disponíveis para exercer, nem quantos estão efectivamente em exercício no conjunto das instituições de saúde (privado e sector social incluídos). Estes números são desconhecidos em praticamente todas as profissões da área, à excepção dos farmacêuticos.

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