Já cá estamos
Ficamos em casa e sabe-nos a fuga. Faz lembrar a desobediência deliciosa de quando se é pequenino e quase tudo é proibido: é impossível não transgredir.
Numa aflição domingueira com tudo cheio de gente pergunto à Maria João se ela acha que há algum sítio de que gostamos que esteja calmo. Há, diz ela a rir-se. É onde?
É aqui, aqui em casa.
É isso mesmo. Ficamos em casa e sabe-nos a fuga. Faz lembrar a desobediência deliciosa de quando se é pequenino e quase tudo é proibido: é impossível não transgredir.
Sabe bem fugir sem sair de onde se está. Poupa-se tempo nas viagens. Poupa-se em não ir e poupa-se em não voltar. Imagino que a própria casa gosta de ser escolhida. Gosta de ser comparada com sítios agradáveis onde toda a gente gosta de ir — e de ganhar.
É como ir a uma sapataria e perceber que os sapatos que mais se desejam são aqueles que trazemos calçados — sem a necessidade de lá ir. É como se decidíssemos que nem sequer vamos perder tempo à procura de sapatos na Internet, porque estamos satisfeitíssimos com aqueles que já temos.
Quando se é novo, perde-se muito tempo a descobrir que não gostamos de quase nada. Há sempre a esperança de provar um chocolate transcendente, melhor do que todos os outros. Com essa ganância provam-se avenidas de chocolates previsíveis. E para quê? Para saber que o chocolate que preferimos já era nosso preferido?
Percebe-se então que até pode existir, escondido nalguma ilha, o chocolate transcendente. Mas ele que se deixe estar, porque o preço é caro de mais. O preço é todos os chocolates medianos que se teve de experimentar para chegar ao melhor. E o tempo que levou. E a despesa. E o cansaço de procurar.