Um médico veterinário que quer saber, responde

Há mesmo profissionais a gastar dinheiro dos tutores com procedimentos a mais movidos pela ganância e falta de ética? Há, ou não, maus profissionais?

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Xan Griffin

Rui Vidal é médico veterinário e já trabalhou de norte a sul de Portugal

Em resposta ao artigo publicado no Pet intitulado O médico veterinário que não sabe vs O “veterinário” que não quer saber, do autor Manuel Raposo, finalista do curso de Medicina Veterinária.

Aproveitando a oportunidade de resposta e recorrendo à minha experiência profissional, venho endereçar uma mensagem aos futuros jovens profissionais de Medicina Veterinária e, em certa medida, aos seus futuros clientes também. Identificando-me como “um veterinário que quer saber”, creio que na publicação citada não terá sido dado o melhor tratamento a duas situações que nos são tão caras na saúde animal: a falta de investimento em medicina de qualidade e a falta de ética profissional no bem-estar animal.

Perante uma simples tosse, um médico de medicina humana tem tantos exames de diagnóstico disponíveis que muitas vezes termina tentando acalmar a demanda dos pacientes por mais e mais exames. Já no caso da medicina veterinária, perante um cão a tossir, o médico veterinário talvez consiga convencer o cliente a realizar pelo menos uma radiografia torácica. Como bem sabemos, caros jovens finalistas, na maior parte das vezes um só exame não chegará para atingir um diagnóstico definitivo e face à impaciência do cliente, surge a tentação de “dar qualquer coisa” ao animal, em vez de solicitar mais testes de diagnóstico. Evitamos assim os epítetos de ganância que nos podem ser dirigidos por requisitarmos mais procedimentos, muitos deles caros, mas o caso prossegue, muitas vezes sem resolução ou melhoria. Caros futuros profissionais, esta é a verdadeira realidade omnipresente nos nossos consultórios veterinários: há infinitamente mais casos de falta de ética e má medicina veterinária por escassez de exames de diagnóstico do que por exames a mais.

Infelizmente, tal como quase tudo em saúde animal em Portugal, a verdadeira realidade da medicina veterinária é muito mais feita de escassez e atalhos do que de minuciosas investigações e longas terapêuticas. Uma ligação, cega e sem contexto, entre maus profissionais e o uso de procedimentos caros e prolongados está longe de reflectir a verdadeira realidade dos profissionais. Pior, vem tornar mais difícil estabelecer realmente uma medicina de qualidade, baseada em testes de diagnóstico específicos, tratamentos direccionados e acautelamento de todas as complicações para o nosso animal.

Mas pode ou não haver profissionais a gastar dinheiro aos tutores com procedimentos a mais movidos pela ganância e falta de ética? Há ou não maus profissionais? Admito que pode haver maus profissionais, erros, ganância e falta de ética como em todas as áreas. Contudo, era muito importante que o texto original se tivesse apoiado em algum caso concreto, que demonstrasse esses casos como pontuais que são (como estou certo que o autor concordará), e melhor ajudasse os tutores a identificar realmente traços de más práticas e falta de ética. E para os médicos veterinários no activo, a credibilidade é demasiado valiosa para que se malbarate em cenários sem enquadramento concreto.

Garanto-vos, futuros colegas, que na vossa prática clínica estarão inúmeros dias em que recusarão vender antibióticos sem exames que o justifiquem; em que recusarão a assinar papéis de animais que não tinham vacinas em dia e morderam alguém; em que encontrarão tutores mais dispostos a pagar o que for preciso por uma eutanásia a um animal saudável com um problema de pele do que em investigar e tratar a patologia… De forma a recusar estas verdadeiras aberrações éticas, é imprescindível que a nossa credibilidade supere o receio de sermos entendidos como vendedores de procedimentos caros e prolongados. Não tenho dúvidas das boas intenções da publicação, mas, futuros colegas, não garantimos melhor saúde animal colando levianamente uma relação entre má medicina e a utilização dos “fármacos caros ou rações de gama mais alta”. Assim não estamos a informar nem a prevenir responsavelmente.

Agradecendo esta oportunidade de resposta, deixo também uma nota premente para os editores: precisamos de uma população mais capaz de distinguir o bom e o mau profissional porque está melhor e mais informada cientificamente e não porque leu algures que há médicos veterinários (ninguém soube quais, nem onde) que “não se preocupam com a saúde dos animais e das pessoas”. Isso não nos ajuda, não ajuda os tutores, e de certeza não ajuda os nossos companheiros animais.

Faremos mais pela saúde animal com ética se apresentarmos informação fidedigna e estruturada que realmente capacite as pessoas. Para o tutor que fica na dúvida, procure uma segunda e uma terceira opinião; investigue alternativas; explore a experiência dos profissionais; ou aproveite toda uma geração que regressa agora do estrangeiro mais especializada; recorra apenas à boa informação online; aconselhe-se e interesse-se realmente pela saúde do seu companheiro.

A boa notícia é que há cada vez mais demanda pela medicina veterinária de qualidade. E com esse propósito, todos beneficiaremos de mais e melhor informação, sobretudo os nossos animais.

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