Sammy constrói casas portáteis. Carolina leva o Pinhal Interior ao país

No rescaldo do incêndio, um grupo de amigos decidiu ajudar a transformar ideias em negócio. O objectivo do Re-Nascer Depois das Cinzas é revitalizar o tecido económico da região e já viu nascer quatro empresas.

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Sammy van den Berghe fabricava casas portáteis na aldeia de Campelo, Figueiró dos Vinhos, mas matéria-prima principal, a madeira, ardeu. Hoje, está a retomar o negócio com a ajuda do Re-Nascer Depois das Cinzas Adriano Miranda

Sammy van den Berghe veio para Portugal com a família em 2006, depois de uma passagem pelo Sul de França, onde explorou um alojamento local durante cinco anos. Hoje com 47 anos, este belga com formação em gestão hoteleira veio para Pedrógão para o mesmo ramo.

Como hobby, começou a comprar, renovar e vender casas na zona de Pedrógão Grande, mas o negócio não era de monta. “Para vender e ganhar um pouco de dinheiro, nesta região é difícil. As pessoas não compram”. Se tivesse “muita paciência” acabava por recuperar investimento, mas não mais do que isso, conta ao P2.

Assim, em 2016 começou a desenvolver a ideia de fabricar casas “para levar para fora”, diz. “Construímos e produzimos aqui”, num armazém às portas da aldeia de Campelo, no município de Figueiró dos Vinhos, mas as casas portáteis de madeira “são vendidas para Lisboa ou França”, exemplifica.  O primeiro teste de um passatempo que passaria a profissão ficou pronto em Maio de 2017.

"Depois tudo acabou". O material que estava no exterior do armazém, desde madeira a reboques, ardeu no incêndio que deflagrou a 17 Junho e as altas temperaturas destruíram os vidros das janelas e a caixilharia de metal. As paredes de cimento e o telhado foram também danificados. No entanto, não teve direito a qualquer apoio financeiro, uma vez que a actividade estava num ponto embrionário e não tinha empresa constituída. Entre tudo o que se perdeu, reconhece com um sorriso que teve "muita sorte" por as chamas não terem consumido o que estava no interior do espaço. Mas o esforço financeiro para retomar era significativo e perdeu a motivação. "Pensei em desistir e voltar para a Bélgica".

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Por não ter a sua empresa constituída formalmente, Sammy não pôde candidatar-se às ajudas iniciais para o tecido industrial da região destruído Adriano Miranda

Mas decidiu continuar. Sobretudo por causa do projecto Re-Nascer Depois das Cinzas, uma iniciativa de apoio ao empreendedorismo de três amigos de Pedrógão. Ao P2, Sofia Carmo e Bruno Fernandes contam que, depois de terem andado com Feliciano Roldão a “ajudar no que fosse preciso” no rescaldo do incêndio, sentaram-se a pensar no que poderiam fazer pela região “depois desta tragédia tão grande”.

“Entendemos que uma das maneiras era ajudar os empreendedores locais, porque iriam passar por grandes dificuldades”, explica Bruno Fernandes, que aos 32 anos é técnico de informática. Montaram o projecto com o apoio da New Discoveries, uma associação empresarial do Porto, e a incubadora A Ponte, de Loures, começando por uma conferência em Outubro e depois com um concurso de ideias que terminou já em Maio deste ano.

Os prémios do concurso não são altos, reconhece o dinamizador. O primeiro lugar recebeu 2500 euros, o segundo 1500 e o terceiro 1000. “Acaba por não ser pelo dinheiro, mas pela dinâmica e pelas parcerias”, diz Bruno, que sublinha que o objectivo é que os projectos “consigam implementar todos as suas ideias, independentemente se ganham ou não”. E das 14 ideias iniciais sobreviveram nove projectos, sendo que quatro já têm empresa constituída. A Tiny House, de Sammy van den Berghe, é uma das duas empresas que já estão em actividade.

Criar o próprio emprego

Os negócios propostos partem de ideias que podem ser aplicadas na região, estando ligados ao turismo, à área florestal, ao comércio de produtos locais, mas também a plataformas tecnológicas. Isto numa zona em que uma parte significativa da população está envelhecida. Por exemplo, em três dos municípios mais afectados pelo incêndio de 17 de Junho (Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande) mais de 30% dos residentes têm mais de 65 anos. De cerca de 12 mil residentes do conjunto dos três concelhos, pouco mais de 2500 trabalham ao serviço das empresas, mostram dados do Instituto Nacional de Estatística relativos a 2016.

Bruno Fernandes e Sofia Carmo explicam que, numa primeira fase, estes projectos são para a criação do próprio emprego. Foi nesse sentido que, aos 26 anos, Carolina Gama, decidiu montar um negócio de venda de produtos regionais. A Sabores de Cá é uma loja online de produtos que vão desde licores a enchidos, passando por queijos e biscoitos, que faz o trabalho de condensar numa plataforma vários produtores do Pinhal Interior.

“Apercebi-me que havia muitos pequenos produtores que não conseguiam escoar o produto porque não tinham visibilidade”, enquadra. Na sequência dos incêndios, com a vaga de solidariedade, a jovem apercebeu-se que, “mais do que visitar a região, as pessoas queriam saber o que podiam provar”. E o que provavam repetiam, tanto que começou a reunir e a enviar produtos para vários pontos do país.

Carolina Gama tirou um curso superior na área alimentar, em Castelo Branco, mas voltou para trabalhar em agricultura. Aponta a falta de emprego como um dos problemas do interior e sublinha o empurrão do projecto Re-Nascer para que não se “tivesse ficado apenas pela ideia”. A empresa unipessoal deve ser criada no próximo mês e a plataforma Sabores de Cá será lançada na Feira Anual de Pedrógão, em meados de Julho. Desenvolveu também contactos com os postos de turismo da região, para ter pequenos pontos de venda em cada um.

Sammy , que conversou com o PÚBLICO na caravana de madeira que serve de chamariz à porta do armazém, explica que o nascimento da Tiny House levou à criação do próprio emprego, mas gera mais trabalho na região. Especialidades como a instalação eléctrica têm de ser feitas por outro profissional.

Ao contrário da motivação de Sammy, em redor do armazém, a paisagem ainda não recuperou, embora os fetos já cubram o solo entre eucaliptos e pinheiros queimados. A montagem das casas portáteis alimenta já outras empresas, enumera, apontando para a casa em que está a trabalhar: as janelas vêm de Figueiró dos Vinhos, o telhado de metal e as caleiras vêm da Sertã e a cortiça para pavimento e revestimento de paredes vem de Abrantes. O reboque que serve de base vem da Holanda, uma vez que não encontra em Portugal, explica. Depois é tudo trabalhado consoante a encomenda e o nível de personalização que o cliente deseje. Disso depende também o preço das casas portáteis, que pode ir dos 5 mil aos 80 mil euros.

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Antes de se dedicar às casas de madeira portáteis, Sammy comprava e vendia casas na região atingida pelos incêndios Adriano Miranda

Preços que não demovem os compradores. Tem três encomendas – todas de estrangeiros a viver em Portugal – e até ao final do ano e não está a aceitar mais. "Tenho uma cliente de França que quer encomendar muitos, mas não o pode fazer". O sucesso da procura trouxe consigo outros problemas: a área do actual armazém não permite aumentar a produção. O passo seguinte é encontrar um espaço maior.

Numa terra em que é preciso criar empresas para “atrair as pessoas” o belga despede-se com a “esperança que isto mude”. No seu entender, para além de toda a infelicidade que trouxe, “o fogo pode ser uma oportunidade de mudar alguma coisa”.

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