8% das crianças e adolescentes sofrem de síndrome pós-traumático

Projecto Pinhal de Futuro rastreou jovens dos seis concelhos afectados pelos grandes incêndios de Junho de 2017.

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O projecto permitiu acompanhar um total de 1758 jovens de seis concelhos afectados Adriano Miranda (arquivo)

São 139 crianças e adolescentes. De Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra, Sertã, Pampilhosa da Serra e Góis. Passado um ano dos incêndios que devastaram parte do Pinhal Interior, sofrem de perturbação de stress pós-traumático e representam 7,9% da população escolar rastreada nos seis concelhos.

Estes são os primeiros resultados do projecto Pinhal de Futuro, uma iniciativa de rastreio e acompanhamento de saúde mental de crianças e jovens dos seis aos 18 anos nas escolas das áreas afectadas pelos incêndios que deflagraram a 17 de Junho de 2017. O projecto é realizado em parceria pela Associação Empresários Pela Inclusão Social (EPIS) e pelo Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Universidade de Coimbra (UC) e é promovido pelo Fundo de Apoio às populações e à revitalização das áreas afectadas pelos incêndios gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian.

A coordenadora do CINEICC, Cristina Canavarro, explica que, dos 139 jovens, a maior concentração de casos de stress pós-traumático encontra-se do segundo ao terceiro ciclo, ou seja, dos dez aos 14 anos. Estas crianças apresentam “maior dificuldade de concentração” ou “alguma sintomatologia depressiva” e “ficam com uma espécie de filme mau, que é este dos incêndios, com o medo a ele associado”, esclareceu a investigadora ao PÚBLICO, à margem da apresentação do estudo, que decorreu neste sábado, em Coimbra, na presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Os dados mostram também que em 2,9% do grupo estudado verifica-se casos de perturbação de adaptação, ou seja, 51 estudantes sofrem de stress pós-traumático com menor intensidade. Há ainda um número ligeiramente mais elevado (57) de crianças e jovens que sente ansiedade de separação. A ansiedade manifesta-se em 3,2% dos casos, através de uma “dificuldade acrescida em se separar das pessoas e da zona de conforto”. Por exemplo, a criança com estes sintomas sente maior angústia em ir para a escola ou em dormir sozinha, explica Cristina Canavarro.

O projecto identificou igualmente cinco situações de luto. “Tem a ver com uma perda extremamente significativa do ponto de vista emocional”, em situações em que há também “perda de rotinas, de rendimento económico ou organização familiar”.

A soma destes números não corresponde ao total de jovens que sofre destas perturbações, uma vez que há indivíduos a quem foi detectada mais do que uma condição, ressalva. E os valores “seriam muito mais elevados” caso ainda não tivesse havido intervenção.

O projecto tem oito psicólogos no terreno e por lá vão ficar, pelo menos até ao final do Verão, acompanhando “todas as crianças e adolescentes que necessitem”, sublinha a coordenadora. O acompanhamento é feito também por estruturas do Serviço Nacional de Saúde ou pelas autarquias.

De um total de 2557 crianças e adolescentes dos seis concelhos afectados, o Pinhal de Futuro obteve o consentimento para avaliar 82%. Neste momento, 90% dos rastreios estão concluídos. O mesmo é dizer que estes resultados dizem respeito a 1758 jovens.

Acompanhamento desde cedo

O projecto Pinhal de Futuro acompanha de forma complementar pais e professores, sendo que alguns deles também passaram por situações traumáticas. No caso dos docentes, o objectivo é orientá-los para saberem lidar com situações em sala de aula, desde temas que são abordados em disciplinas, a alunos que lhes demonstrem reactividade a esses temas. O projecto tenta igualmente dotar os pais de ferramentas para lidar com os filhos de acordo com a faixa etária, refere Cristina Canavarro.

Os resultados deste projecto estão longe de constituir uma cartografia da dor. “Há muitas crianças e jovens que não precisam de intervenção, o que não quer dizer que não sofram. Mas têm recursos que lhes permitem lidar com o sofrimento”, aprofunda.

Em relação aos casos que precisam de acompanhamento, a também professora catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UC diz que o objectivo não é esquecer o incêndio. “São situações que não se resolvem, mas com o tempo e com a intervenção adequada permitem prosseguir a vida.” Sobre o tempo que levará, “cada caso não é um caso”. Ou seja, a experiência clínica e os estudos apontam para os primeiros dois anos como “o período mais crítico”. Daí a importância de se intervir nesta fase para “tentar recuperar o controlo deste comando, deste filme que faz parte da vida das pessoas”.

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