As necessidades permanentes do senhor reitor

Contrariamente ao que os reitores vêm repetindo, a investigação – como a docência – é uma necessidade permanente das universidades.

No seu artigo de 9 de junho, o reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, avança com a proposta de uma carreira universitária única. Para o reitor, a criação de tal carreira evitaria que se “materializasse a ideia de uma Universidade cindida entre quem ensina e quem investiga”. A carreira contemplaria um sistema de avaliação não especificado, mas único.

Como o reitor da ULisboa sabe, as Faculdades já estão cindidas entre investigadores (sejam bolseiros, sejam investigadores FCT), que asseguram a maior parte da investigação e das atividades com ela relacionadas (técnicos, comunicadores e gestores de ciência), e docentes que asseguram a maior parte das aulas. Apesar de muitos dos primeiros também darem aulas e orientarem alunos de Doutoramento e de Mestrado, e de muitos dos segundos também servirem como Investigadores Principais de Grupos de Investigação, os primeiros chegam a constituir 70% dos profissionais de Centros de I&D das Faculdades. A produtividade de todos, independentemente da natureza do seu vínculo, está afiliada ao seu Centro e à Universidade. Assim, nas Faculdades, o que distingue quem mais investiga de quem mais assegura docência é o tipo de contratação: contratos a termo ou bolsas para quem mais investiga; contratos permanentes para quem mais lecciona.

Como o Reitor também sabe, se removêssemos todas as publicações assinadas por, pelo menos, um precário sobraria muito pouco para os rankings científicos das instituições portuguesas. E, se esta é a centralidade que a precariedade assume na produtividade científica do nosso país, ela ilustra também a alocação de atividade exigida a qualquer universidade que queira figurar em rankings: contrariamente ao que os reitores vêm repetindo, a investigação – como a docência – é uma necessidade permanente das universidades.

O que levanta a questão de saber se o que o reitor da ULisboa vem propor agora é mesmo a integração de todos os trabalhadores de Centros de Investigação numa carreira única devidamente regulada, vinculada a uma unidade orgânica universitária. Se propõe que, partindo de um mínimo de três horas em média por semestre (nos termos definidos na lei para o emprego científico), se passe a contabilizar, para avaliar e remunerar, a proporção alocada a docência (aulas dadas em programas de pré- e pós-graduação) e investigação (tempo dedicado a investigação e atividades relacionadas). Se propõe um modelo em que, finalmente, todos os profissionais do setor passem a ter voz nas universidades, elegendo para os órgãos das suas unidades orgânicas e contribuindo para definir prioridades e curricula. Tal proposta seria uma verdadeira revolução.

Acontece que, se é isto que o reitor propõe, há dois programas que lhe permitem dar já o primeiro passo na direção certa: o Decreto-Lei 57/2016 e Lei 57/2017 (para contratações a termo) e o PREVPAP (para integração). O cumprimento destes programas com o devido vínculo às unidades orgânicas da Universidade (e não a associações privadas) permitirá ao reitor da ULisboa fazer decrescer já a carga horária dos docentes libertando-lhes mais tempo para investigação. O PREVPAP permite-lhe ainda integrar já todos os que têm colmatado as necessidades de docência: docentes em regime de Professor Convidado e “bolseiros docentes” (que nem o estatuto de Professor Convidado têm).

Concretizado este passo, o reitor da ULisboa poderá, em pleno acordo com as regras da democracia, negociar com o Governo e com os profissionais do setor a nova carreira única.

O que o reitor da ULisboa não deve continuar a fazer é a boicotar a aplicação da Lei em vigor. A desobediência civil tem um pressuposto fundamental: é quem desobedece que sofre as consequências. Ora, ao invés, as consequências da sistemática desobediência dos reitores à aplicação da Lei está a ser paga pela massa de precários que lhes alimentam os rankings – muitos já sem contratos, sem bolsas, sem nada. O senhor reitor pode prescindir da sua carreira em protesto: o que não pode é fazer pagar pela sua desobediência aqueles que asseguram necessidades permanentes à Universidade. Membros da Rede de Investigadores Contra a Precariedade Científica

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários