Conselho de Segurança falha acordo para apelar a cessar-fogo no Iémen

Forças árabes tomam aeroporto de Hudheida enquanto ONU pede que o porto da cidade, por onde chega quase toda a ajuda ao país, seja mantido aberto.

Tropas iemenitas leais
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Tropas iemenitas leais ao governo no exílio avançam em direcção a Hudheida EPA/NAJEEB ALMAHBOOBI
Ali Mohsen al-Ahmar, Al Hudaydah, intervenção liderada pela Arábia Saudita no Iêmen, Guerra Civil do Iêmen, Al Jazeera, Houthis
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Polícia militar pró-huthi no centro de Hudheida Abduljabbar Zeyad/Reuters

As tropas iemenitas leais ao governo apoiado internacionalmente garantem que não tencionam tomar o grande porto de Hudheida, no mar Vermelho. Mas as forças de uma coligação de países árabes liderada pelos sauditas, que anunciaram ter chegado à entrada do aeroporto da cidade controlada pelos huthis, querem mesmo expulsar os combatentes desta tribo do porto, porta de entrada de 80% de tudo o que chega ao Iémen, onde 8,4 milhões de pessoas correm risco de morrer à fome.

Aliás, um comunicado da aliança, que incluiu os Emirados Árabes Unidos e Sudão, diz que as forças no terreno avançam agora pela estrada principal que conduz ao porto marítimo. Residentes ouvidos pela Reuters contam que as principais batalhas se têm travado no bairro de Manzar, junto às muralhas que cercam o aeroporto.

Em Nova Iorque, depois de uma reunião à porta fechada do Conselho de Segurança da ONU, soube-se que os Estados Unidos e o Reino Unido se opuseram à resolução apresentada pela Suécia onde se pedia um fim imediato das acções militares em Hudheida e em redor da cidade.

“A penúria do povo iemenita é bastante considerável: 22 milhões a precisarem de ajuda humanitária; 8 milhões em risco de morrerem à fome; 50 mil mortos o ano passado de cólera ou por doenças ligadas à cólera”, descreveu à rádio BBC o ex-ministro David Miliband, chefe executivo do International Rescue Committee, apoiado pelos suecos. Miliband diz que há um “grande perigo de guerra de guerrilha prolongada e de um cerco” à cidade.

A operação, lançada na quarta-feira, é a primeira tentativa em três anos da coligação para tentar tomar uma cidade tão grande e com tanta presença de huthis. Este grupo xiita minoritário iniciou uma guerra civil quando se viu marginalizado pelo executivo constituído com o apoio de Riad, na sequência das revoltas árabes de 2011 e da queda de Ali Abdullah Saleh, ditador que esteve mais de 30 anos no poder. Entretanto, os huthis controlam todas as áreas habitadas do Iémen com excepção da segunda maior cidade, Áden (Hudheida é a terceira).

Em 2015, os sauditas decidiram entrar na guerra, com o pretexto do apoio do Irão aos huthis. Riad diz que o porto de Hudheida é usado por Teerão para fazer chegar armas aos aliados (há relações entre o grupo e a potência xiita do Médio Oriente, mas não serão tão próximas quanto afirma a Arábia Saudita), garantindo ao mesmo tempo aos huthis lucros de 30 a 40 milhões de dólares em comércio e impostos.

As Nações Unidas temem que a batalha de Hudheida deixe os iemenitas numa situação ainda pior do que aquela em que se encontram, para além de temerem pela vida das 600 mil pessoas que vivem entre a cidade e os seus arredores, metade delas crianças. Funcionários da organização e de algumas ONG ainda se mantêm em Hudheida e no dia dos primeiros bombardeamentos conseguiram retirar dos navios ali aportados ajuda alimentar e medicamentos. Entretanto, o porto foi encerrado por causa dos raides aéreos.

Crime de guerra

“Estamos à entrada do aeroporto e vamos trabalhar para garantir a segurança” desta infra-estrutura, diz a coligação em comunicado. “A prioridade operacional é evitar as baixas entre os civis, manter o fluxo da ajuda humanitária e deixar que a ONU pressione os huthis a abandonar a cidade”, continua o texto.

A prioridade até pode ser evitar a morte de civis, mas há três anos que os iemenitas morrem debaixo das bombas largadas por aviões da Arábia Saudita ou dos Emirados (que contam com o apoio tácito dos EUA, Reino Unido e França). Segundo a ONU, pelo menos 10 mil pessoas (dois terços destas civis) foram mortas nos últimos três anos, a maioria em ataques aéreos da aliança. Muitas mais morreram por doenças (como o surto de cólera) ou malnutrição.

Em vez do apelo ao fim da operação que os suecos queriam que o Conselho de Segurança fizesse, o principal órgão executivo das Nações Unidas, manifestou “grande preocupação pelos riscos [que a operação militar constituiu] para a situação humanitária”.

“Matar civis à fome como método de guerra é um crime de guerra e foi condenado pelo Conselho de Segurança na resolução 2461 de 24 de Maio de 2018”, lembrou à BBC Adama Dieng, o conselheiro especial da ONU para a Prevenção do Genocídio. “Parece que o primeiro teste a esta resolução é o Iémen: Hudheida é fundamental para a distribuição de ajuda e, a longo prazo, os ataques aéreos da coligação podem matar muito mais pessoas através da fome sempre que destroem infra-estruturas civis” como o porto desta cidade.

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