Uma neta a devolver todo o amor que recebeu

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De repente, o diagnóstico tomou de assalto a vida do avô. Antes, "a memória ia falhando e ele disfarçava com uma piada", conta ao P3, por telefone, a neta e fotógrafa Beatriz Pereira, de 26 anos, natural de Aveiro. "Ele fazia por continuar independente, estava sempre tudo bem, e tinha-nos como prioridade nas coisas do dia-a-dia." Até que se tornou inevitável a consulta médica que viria a anunciar a sua sentença: a doença de Alzheimer. "Passou a ter medo de envelhecer, de se tornar dependente, como ficou. Apareceu tudo de uma vez."

 

Entre o dia da revelação e o dia em que faleceu passou aproximadamente ano e meio. "Decidimos recebê-lo em nossa casa", explica Beatriz, que actualmente trabalha em Lisboa como técnica de pós-produção de vídeo na área da publicidade. "A minha mãe, filha única, decidiu tirar uma licença sem vencimento para poder cuidar dele 24 horas por dia. Adaptámos a casa, comprámos os acessórios necessários aos cuidados de uma pessoa dependente." Ainda lúcido, o idoso mudou de morada. "Foi difícil para ele adaptar-se à nova casa, à nova realidade. Para nós foi difícil também adaptarmos a nossa rotina ao seu cuidado. E nada, nem ninguém, nos preparou — ou a ele — para o declínio que estaríamos prestes a assistir." O desenvolvimento da doença foi relativamente rápido: "Foram 550 dias a sentir saudades dele, de quem ele era. Até das imperfeições sentimos falta. Custa aceitar a ‘bagunça’ que é, de repente, uma pessoa ficar o contrário do que era. Todos sofremos, todos os dias."

 

Nos curtos intervalos de lucidez, o avô apercebia-se da situação em que se encontrava. "Era revoltante para ele. Tinha muito medo do que acabou por acontecer, de se tornar um vegetal. Foi muito duro para ele aperceber-se do seu declínio. Foi muito duro para nós assistir à degradação do seu corpo, ao desaparecimento da sua identidade, e continua a ser difícil guardar uma última imagem dele tão débil." A sua última ida ao hospital aconteceu em Janeiro de 2018. "Mal comia, os órgãos foram falhando e não resistiu." Beatriz pensou que nunca iria passar por isto. "É importante mostrar a todos que este é um processo duro. Eu também pensava que não iria viver isto. Nem que fosse ele. Nem ele queria que fosse ele. Se somos feitos de memórias, senti muito o que é perdê-las. Mas o amor é paciente. E foi o momento de devolver todo o amor que recebemos dele toda a vida." O projecto O Amor é Paciente estará em exposição até 30 de junho na galeria do Centro das Artes do Espectáculo de Sever do Vouga.