"Por mim, o abate de pombos terminava agora"

Provedora dos Animais de Lisboa diz que há desconhecimento sobre pombos, mas não só: "Era importante que, quando levam um animal para casa, as pessoas tivessem alguma formação, uma carta dos seus deveres e direitos."

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"Não é por estar escrito no Código Civil que os cães deixaram de ser coisas", diz a provedora Nuno Ferreira Santos

Marisa Quaresma dos Reis diz que o fim das touradas em Lisboa só depende da vontade da câmara em negociar com os donos do Campo Pequeno. E critica a lei dos maus tratos a animais, que tem previstas penas demasiado "baixinhas".

Como é feito neste momento o controlo da população de pombos em Lisboa?
Utilizaram-se falcões para os afugentar, mas era uma solução muito cara e esse contrato terminou. A ideia é criar seis pombais contraceptivos, equipamentos nos quais os ovos naturais são trocados por ovos de plástico. Por causa de constrangimentos orçamentais só existe um. Antes disso tem de se fazer um censo, para  perceber onde se concentram mais aves. Há especialistas que dizem que a captura e o abate não são eficientes, uma vez que os pombos migram e quando um desaparece há outro que ocupa esse espaço. Neste momento, quando há muitas denúncias são capturados com redes pelos serviços camarários e mortos com gás. 

Isso é ético?
Qualquer morte de um animal só porque nos é conveniente não é ética. Nestas circunstâncias não é para salvar uma vida. É uma questão cultural. Qualquer que fosse o partido que viesse para a Câmara de Lisboa e deixasse de cumprir esta obrigação sujeitava-se a responder perante um tribunal administrativo. Porque é uma incumbência das câmaras municipais zelar pela saúde pública e fazer o controlo das ditas pragas. 

Apesar de, como diz, os pombos não transmitirem grandes doenças aos humanos?
Sim. Por mim, a política de captura e abate terminava agora. Mas isso não é possível por causa das queixas dos munícipes. Há alternativas, como a colocação de redes e espigões nos edifícios.

O Rossio é um dos locais onde também já se vêem muitas gaivotas.
É um problema que se calhar daqui a dez anos terá a dimensão do dos pombos. Porque o alimento está a desaparecer do mar e elas são omnívoras. Comem gatinhos bebés, esventram pombos... até comem ração de gato.

É frequente vermos cães à solta nos jardins, apesar de ser proibido. Como conciliar isso com o respeito pela segurança dos transeuntes?
É uma questão cultural. Era importante que quando levam um animal para casa as pessoas tivessem alguma formação, uma carta dos seus deveres e direitos. Que as informasse dos perigos de não respeitaram a legislação. 

Por lei os cães deixaram de ser coisas. O que implica?
Não é por estar escrito no Código Civil que deixaram de ser coisas. Para pessoas que viveram sempre com os animais como coisas, provavelmente só os seus filhos é que vão perceber que não é exactamente assim. O próximo passo é reconhecer personalidade jurídica aos animais. Sou uma das primeiras a defender isso.

Se neste momento um animal já tivesse personalidade jurídica, o que mudava?

Significaria que a nossa esfera de direitos estaria mais limitada por respeito aos direitos dos animais. Pode haver um conflito entre direitos fundamentais das pessoas e direitos fundamentais reconhecidos aos animais.

Lisboa devia ser uma cidade livre de touradas?
Claro que sim. Nem podia eu dizer outra coisa.

E porque é que não é?
No espaço público é. O problema é que o Campo Pequeno é privado e a câmara não tem competência para autorizar ou deixar de autorizar espectáculos no Campo Pequeno. É o último degrau que falta subir. Tudo depende da vontade da autarquia e da disponibilidade do grupo que gere o Campo Pequeno para chegarem a um acordo.

O Governo ainda financia a tauromaquia. Como encara isso?
Como uma morte anunciada. É provável que os subsídios terminem antes das touradas, comprometendo a sua viabilidade económica.

O que é preciso para melhorar a lei que criminaliza os maus tratos?
Consagrar claramente a morte directa e intencional de um animal como um crime inequívoco. Se um cão morre com um tiro ou uma facada, à partida existe margem na lei para se dizer que isso não está previsto no crime de maus tratos.

Porque é que acha que a lei foi feita assim?
Foi o resultado de muita negociação. Ou passava isto ou não passava nada.

Também há quem pense que já se foi longe de mais.
E também quem diga que para dissuadir os maus tratos pode ser mais eficaz reforçar o quadro contra-ordenacional do decreto-lei  de 2001 que transpõe a convenção europeia de protecção dos animais de companhia, cujas sanções pecuniárias podem ultrapassar os 3700 euros. O que ultrapassa quase sempre as penas de multa [aplicadas àqueles que são condenados ao abrigo da lei que criminaliza os maus tratos, que é de 2014], que não vão além dos mil e tal euros. As molduras penais dos crimes de maus tratos são tão baixinhas que ninguém leva isto a sério. A pessoa condenada pela primeira vez por maltratar um animal nunca vai presa.

As penas deviam ser mais pesadas?
Pois deviam. Mais que não seja, equiparada ao dano ou superior ao dano. O dano de um objecto tem uma pena de prisão até três anos.

Neste momento, uma pessoa sem cadastro podia cumprir cadeia por maltratar um animal?
Não, não. Tinha de ser uma coisa com especial perversidade, com muitos animais torturados, um crime continuado no tempo – e mesmo assim seria ousado.

Então quando diz que a moldura penal tem de ser mais pesada é a que nível?
Tudo. Subir a multa e subir também a pena de prisão. Os animais mudaram de estatuto não foi para ficarem abaixo das coisas, foi para ficarem numa categoria com mais dignidade do que as coisas. As touradas implicam sofrimento para os animais, se a natureza deles é serem sensíveis, estamos obviamente numa incompatibilidade que algum dia vai ter de ser resolvida.

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