A FIFA ofereceu o Mundial à Rússia na hora errada

O plano desenhado para acolher o torneio acabou por ser revisto em baixa. E a actual geração do futebol russo está longe de entusiasmar.

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Reuters/Maxim Shemetov

Quando, em Dezembro de 2010, a FIFA anunciou que a Rússia seria o país anfitrião do Mundial 2018, vencendo, entre outras, a candidatura conjunta de Portugal e de Espanha, é provável que os responsáveis russos tenham dissimulado uma reacção de surpresa. Cinco anos mais tarde, Joseph Blatter, à época presidente do órgão regente do futebol internacional, confessou que a decisão já estava “acordada”, antes mesmo de os membros do Comité Executivo efectuarem a votação. Hoje, em Moscovo, quando for dado o pontapé de saída para o Mundial, é expectável que os responsáveis do Kremlin ensaiem uma reacção de entusiasmo. A verdade é que, desportivamente, para a Rússia a competição chega na hora errada e pode criar embaraço.

Teoricamente, no início de 2009, quando foi formalizada a candidatura à organização do Mundial, a aposta do Kremlin tinha tudo para dar certo – política e desportivamente. O caderno de encargos apresentava um orçamento de 2800 milhões de euros, 16 estádios - 13 novos e três remodelados -, 13 cidades-sede e uma receita estimada, só na bilhética, de 3,1 milhões de euros. Seis meses antes, no Europeu organizado por Áustria e Suíça, uma selecção com Akinfeev, Zyryanov, Pogrebnyak, Pavlyuchenko, Arshavin e Zhirkov, bem comandada pelo holandês Guus Hiddink, atingira as meias-finais, sendo apenas derrotada pelo “tiqui-taca” espanhol. Uma década depois, a prova terá menos quatro estádios do que o previsto – apenas sete foram construídos de raiz –, o número de cidades foi reduzido para 11 e a selecção da Rússia atravessa o pior momento da sua história desde o colapso da URSS: nos últimos 10 jogos, apenas venceu a Coreia do Sul.

Num país onde se esbarra no orgulho da “Pátria Mãe” ao virar de cada esquina, um fiasco russo pode revelar-se um rude golpe na afirmação do futebol numa nação onde o hóquei no gelo, modalidade na qual os russos são sempre candidatos à vitória, continua no topo das preferências. O futebol tinha a sua oportunidade de ouro em 2018, mas a Rússia não aproveitou os sete anos que teve para preparar a competição.

Após a saída de Hiddink no início de 2010, a federação russa manteve a aposta em holandeses (Dick Advocaat), mas os resultados não foram positivos e, ao fim de dois anos, houve nova troca: dispensado pela federação inglesa, Fabio Cappelo foi contratado pela exorbitante quantia de 7,7 milhões de euros por ano. O arranque do italiano foi auspicioso – apuramento para o Mundial 2014, vencendo um grupo no qual também competia Portugal –, mas o “peso” dos rublos e a incapacidade de renovar a equipa tornaram inviável um projecto que deveria prolongar-se até 2018.

Com o fiasco da aposta em estrangeiros e a pressão da opinião pública, a Rússia deu um passo atrás. Cumprindo a regra até 2006, quando Hiddink foi contratado, a selecção voltou a ficar nas mãos de um “homem da pátria”. Com um bom currículo no CSKA, Leonid Slutsky acumulou funções com a equipa de Moscovo, mas fracassou: o actual treinador do Vitesse pediu a demissão após a Rússia falhar o apuramento para o Euro 2016. Em contra-relógio, o todo-poderoso Vitaly Mutko (homem de confiança de Putin; vice-primeiro-ministro do país; chefe do comité organizador do Mundial 2018; presidente da federação russa) entregou a responsabilidade de salvar a honra russa a Stanislav Cherchesov.

Com uma folha de serviço bem mais rica como guarda-redes do que como técnico, Cherchesov foi recebido com optimismo moderado, mas mereceu elogios pelo futebol ofensivo e discurso frontal. Todavia, sem jogadores que façam a diferença – apenas Cheryshev e Gabulov jogam fora do país –, a Rússia entrou numa espiral de maus resultados e Cherchesov chegará hoje ao Mundial com a pior percentagem de vitórias (26.3%) da história da selecção russa: cinco triunfos em 19 jogos.

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