Cameron Esposito fez um especial de comédia sobre a era #MeToo

A humorista norte-americana lançou esta semana Rape Jokes, que fala abertamente de abuso sexual, de uma forma muito diferente do que é comum no mundo do humor mainstream.

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Cameron Esposito faz de Rape Jokes um especial de comédia feito a partir da perspectiva das vítimas de abuso sexual, tantas vezes transformadas no foco da piada DR

Cameron Esposito estreou-se na televisão em 2013. Fez um pequeno set de stand-up no Late Late Show, na altura apresentado por Craig Ferguson, quando o convidado era Jay Leno. Nem conseguiu completar todas as piadas que tinha planeado dizer nessa actuação: o anfitrião convidou-a a sentar-se no sofá, para falar com ambos. Quase no fim, Leno declarou que as “lésbicas são as maiores”, com Jay Leno e Ferguson a concordarem que o tempo em que os homens brancos dominavam a indústria do entretenimento estava a chegar ao fim.

É um início de carreira mainstream que ilustra bem o contexto em que a humorista apareceu e a geração a que pertence. Esta segunda-feira, Esposito lançou Rape Jokes, que retrata directamente o momento #MeToo e a evolução da comédia.

O especial lida com material muito ligado à actualidade e, por isso, a humorista queria lançá-lo o mais rapidamente possível, ao contrário do que costuma acontecer com este tipo de especiais. Foi exactamente o que aconteceu, lançou-o através da secção de comédia do Vulture, o site da revista New York.

Rape Jokes, filmado num espaço pequeno e quase sempre a focar a artista, sem grandes planos da sala, está disponível desde segunda-feira e pode ser visto no site oficial da humorista. O streaming é gratuito, mas os espectadores são encorajados a fazer uma doação, pagando o que quiserem, à RAINN, a maior organização anti-violência sexual dos Estados Unidos. Segundo o Twitter, o especial conseguiu, nos primeiros dois dias, angariar 17 mil euros.

Em anos recentes, tem-se discutido entre círculos de humoristas qual a validade de se fazerem piadas sobre violações. São conversas que levam muitos deles a lamentar que "agora já não se pode dizer nada", como se a comédia não evoluísse com os tempos. Esposito fala disso mesmo neste especial. É, aliás, daí que vem o nome do espectáculo. A humorista explica que não tem problemas com piadas sobre violações, só que é preciso fazê-las com mais inteligência e elaboração. Muitas vezes, humoristas, quase sempre homens e quase sempre a venderem-se como muito transgressores, limitam-se a mencionar o acto como uma muleta humorística, sem nunca darem atenção às vítimas. É um ponto de vista que, lembra a humorista, assume que só o género masculino é que faz ou consome comédia.

Esposito é, ela própria sobrevivente de abuso sexual. É algo que ela admite e relata aqui. E é sob essa perspectiva que ela quer abordar o assunto, contrariando não só o uso da palavra e do conceito de violação para sacar um riso fácil de uma audiência, mas também a tendência de o abuso sexual ser muito utilizado na ficção em geral para fazer avançar histórias. Ou seja, transformar alguém que costuma ser alvo de piadas em quem as está a contar.

Não é a primeira vez que Cameron Esposito aborda este tipo de temas. Já tinha tido um episódio sobre piadas de violação em Take My Wife, a série que co-criou e protagonizou com Rhea Butcher – que se identifica como pessoa não-binária –, com quem é casada e com quem apresenta Put Your Hands Together, o espectáculo semanal de stand-up ao vivo na Upright Citizens Brigade, em Los Angeles (o sítio onde o especial foi filmado), que é disponibilizado em formato podcast.

Mas agora fá-lo de uma maneira mais pessoal, sem perder o estilo leve, afável, ponderado, animado, enérgico, empático e inclusivo que a caracteriza. É um especial poderoso e imaginativo, que encoraja homens a fazerem parte da solução, a ouvirem e ajudarem. Mesmo que por vezes se aproxime de algo como um sermão, nunca deixa de ter piada. É a parte mais importante: é urgente e relevante, sim, mas também é hilariante.

 

Texto alterado dia 15 de Junho às 10h, onde se lia cómica passou a ler-se humorista.

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