Como um pedacinho de ADN não codificante tem o poder de mudar os genitais

Ao remover-se em ratinhos macho uma parte do ADN que não comanda o fabrico de qualquer proteína, verificou-se que os animais desenvolveram ovários.

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Ratinho macho com órgãos reprodutores femininos e ratinho fêmea Greta Keenan/Instituto Francis Crick
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Ratinho macho com ovários Greta Keenan/Instituto Francis Crick

Quando uma equipa de cientistas retirou uma pequena região do ADN não codificante a ratinhos macho, eles desenvolveram ovários em vez de testículos. Liderado por investigadores do Instituto Francis Crick (Reino Unido) e publicado esta sexta-feira na revista Science, este trabalho poderá ajudar a explicar alguns distúrbios do desenvolvimento sexual nos humanos.

Se tiverem uma proteína chamada “SOX9” (que é codificada pelo gene Sox9) em dose suficiente, os mamíferos desenvolverão testículos. “A quantidade de SOX9 produzida inicialmente é controlada pela proteína SRY que é codificada pelo gene Sry, que se localiza no cromossoma Y”, lê-se num comunicado sobre o trabalho. “Esta é a razão pela qual os machos, que têm um cromossoma X e outro Y, normalmente desenvolvem testículos, enquanto as fêmeas, que têm dois cromossomas X, não.”  

Em experiências com embriões de ratinhos macho, a equipa de cientistas removeu geneticamente uma pequena parte do ADN não codificante chamada “amplificador 13” (enhancer 13, em inglês), que se situa a meio milhão de bases (“letras”) de distância do gene Sox9. Verificou-se que esses ratinhos desenvolveram ovários, órgãos genitais femininos internos.

“Tipicamente, muitas das regiões dos amplificadores trabalham juntas para estimular a expressão [actividade] dos genes, sem que nenhum amplificador tenha um efeito enorme”, refere Nitzan Gonen, do Instituto Francis Crick e que participou no estudo. Agora, só neste estudo, a equipa conseguiu identificar um único amplificador que tem bastante “poder” no desenvolvimento sexual.

“O nosso estudo também evidencia o importante papel [do ADN não codificante] que alguns ainda referem como ADN ‘lixo’”, considera Nitzan Gonen. “Se um único amplificador consegue ter este impacto na determinação do sexo, outras regiões não codificantes poderão ter efeitos consideráveis semelhantes.” O ADN não codificante constitui 98% do ADN humano e não codifica qualquer proteína. Em tempos considerado ADN “lixo”, actualmente sabe-se que este ADN tem um papel importante no controlo da actividade dos genes.

Este estudo poderá assim ajudar a explicar por que é que pessoas com cromossomas XY – e que têm em falta um grande fragmento de ADN nesta região do genoma – desenvolvem órgãos sexuais femininos. Por isso mesmo, Robin-Lovell Badge, do Instituto Francis Crick e um dos autores do artigo, refere: “Pensamos que o amplificador 13 é, provavelmente, relevante nos distúrbios do desenvolvimento sexual nos humanos e potencialmente poderá ser usado para ajudar a diagnosticar algumas dessas causas.”

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