Atrasos da Segurança Social "comprometem gravemente direitos dos cidadãos"

Pagamentos de pensões de velhice, invalidez ou sobrevivência chegam a demorar um ano. Relatório anual da Provedoria de Justiça foi entregue à Assembleia da República.

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Miguel Manso

O Instituto da Segurança Social (ISS) continuou a ser a entidade mais visada por queixas apresentadas à Provedoria de Justiça em 2017 e as denúncias relacionadas com a protecção social dos cidadãos registaram um aumento relativamente a 2016.

De acordo com o relatório anual da Provedoria de Justiça, entregue à Assembleia da República nesta terça-feira — pela primeira vez por Maria Lúcia Amaral que em Outubro de 2017 substituiu no cargo José de Faria Costa —, estão em causa direitos sociais fundamentais como o acesso às pensões dos idosos ou de pessoas com deficiência.

Das 9333 queixas recebidas sobre vários temas no ano passado (mais 10% do que em 2016), 7789 deram origem a abertura de procedimentos, o que representa um aumento de 13%. Outras 1544 não representavam matéria da competência deste órgão do Estado e foram encaminhadas para outras entidades.

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Aumentar

As matérias relativas à protecção social continuaram a ser as mais recorrentes, além de registarem um aumento significativo de 37% face ao ano anterior e atingindo um total de 2052 queixas. Em síntese: um em cada quatro processos instruídos em 2017 está relacionado com esta área. Pelo que a provedora realça que “a tendência crescente de queixas recebidas sobre matérias relativas aos direitos sociais, e mais concretamente à protecção social, verificada ao longo dos últimos anos” não só se manteve como se “acentuou significativamente em 2017”.

Os atrasos verificados no ISS relativamente à atribuição e pagamento de prestações sociais são mesmo apontados como estando a “comprometer gravemente a eficácia dos direitos sociais dos cidadãos”. Maria Lúcia Amaral fala de um quadro de insegurança e desconfiança por parte do cidadão, “falta de informação adequada ou resposta atempada”, “falta de qualidade da informação prestada” ou fundamentação das decisões “errada, insuficiente ou deficiente” por parte dos serviços.

As queixas reflectem “uma degradação da qualidade do serviço prestado aos cidadãos, o que muito dificulta ou compromete o acesso efectivo e tempestivo aos seus direitos”, salienta a provedora.

Maria Lúcia Amaral salienta uma “preocupação tanto mais acentuada quanto é certo estarmos perante prestações que visam salvaguardar a coesão social, evitando ou combatendo a pobreza e a exclusão social”.  

A esta situação agravada em 2017 não será alheia “a drástica redução de recursos humanos” e “consequente perda do know-how dos muitos técnicos que entretanto se reformaram”, realça o relatório.

Direitos dos trabalhadores

A juntar-se a este cenário, está também um aumento do número de queixas relativas à defesa dos direitos dos trabalhadores (1224 processos de queixa, um aumento de 40%) e “a subida de 271 queixas sobre serviços públicos essenciais” — como o fornecimento de água, de electricidade, de gás natural e comunicações electrónicas — ou relacionadas “com o universo da habitação social ou a custos controlados”.

O documento lembra que “a lei qualifica os serviços de fornecimento de água, de energia eléctrica, de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, de comunicações electrónicas, de recolha e tratamento de águas residuais, de gestão de resíduos sólidos urba­nos e, bem assim, os serviços postais, como serviços (públicos) essenciais”.

Ora, a prestação desses serviços essenciais também motivou “um elevado número de queixas” (um total de 505) em 2017.

O documento avalia ainda a actuação do Centro Nacional de Pensões (CNP) perante os “atrasos que, em muitos casos, ultrapassam um ano” na atribuição de pensões de velhice, invalidez ou sobrevivência. E qualifica este como um problema que se prolonga no tempo (“já evidenciado em 2016 e que foi objecto de várias chamadas de atenção já em 2017” pelo Provedor de Justiça ao Conselho Directivo do ISS e em reuniões com a secretária de Estado da Segurança Social).  

Alvo de queixas neste ponto são os serviços centrais e os 18 centros distritais do ISS, o Centro Nacional de Pensões, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações, o Instituto de Informática e o Instituto do Emprego e Formação Profissional. Ainda nesta área, e no que ao Governo diz respeito, foram especialmente visados o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a secretária de Estado da Segurança Social.

Já as queixas sobre direitos laborais levaram à abertura de 1224 processos, o que representa um aumento de 352 (40,3%) relativamente ao ano anterior.

A Provedoria de Justiça não tem competência para actuar directamente junto das entidades responsáveis. O que lhe compete é fazer sugestões, chamadas de atenção ou recomendações — sendo esta última a forma mais severa de interpelar as entidades da administração do Estado. No limite, explica fonte oficial do gabinete da provedora, pode apresentar a queixa ao Ministério Público, o que não aconteceu em nenhuma situação em 2017.  

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