Cortes de Merkel podem levar Parlamento a acabar com "amizade" com Alemanha

Bundestag quer acabar com grupo de amizade Alemanha-Portugal e juntá-lo com Espanha. Deputados portugueses ameaçam pôr fim a 11 grupos idênticos. Ferro Rodrigues decidirá.

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Alemanha unifica Portugal e Espanha na Península Ibérica Nuno Ferreira Santos

Não há dinheiro, corta-se nas amizades. Mas estas, ou são recíprocas ou acabam-se. Este é um princípio de vida e sobretudo um princípio diplomático que a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas da Assembleia da República quer pôr em prática depois de saber que o Bundestag – o Parlamento alemão – quer acabar com o Grupo Parlamentar de Amizade Alemanha-Portugal, juntá-lo como o congénere espanhol e criar um grupo de amizade único entre a Alemanha e a Península Ibérica.

A resposta da comissão portuguesa é simples: então acabe-se com o grupo de amizade Portugal-Alemanha e, já agora, com todos os que não têm essa reciprocidade com Portugal, num total de mais dez países.

A Península Ibérica “não é uma entidade política” e, por isso, os deputados não aceitam “que Portugal seja tratado diplomaticamente de uma forma multilateral em conjunto com Espanha”. Se as multinacionais têm departamentos ibéricos para gerir os mercados de Portugal e de Espanha em conjunto… bom, a diplomacia não é uma empresa e faz-se entre Estados e não entre grupos de Estados.

“Na diplomacia há regras e elas têm que ser cumpridas: não se aceitam as cartas de um embaixador de outro país em Portugal que tenha residência em Madrid”, diz ao PÚBLICO, indignado, o presidente da comissão de Negócios Estrangeiros, o socialista Sérgio Sousa Pinto. 

Foi, aliás, seu, o parecer que esteve em cima da mesa nesta terça-feira à tarde mas que acabou por não ser votado por pedido do PCP, adiando-se o assunto uma semana. O texto é uma recomendação ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, para que acabe com uma lista de onze grupos parlamentares de amizade (GPA) por dizerem respeito a países que não têm reciprocidade nessa matéria com Portugal e que faça o mesmo com o Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Alemanha, se a intenção do Bundestag for avante. 

Ou seja, existem grupos de amizade no Parlamento português em relação a outros 50 países (sim, a lista de grupos é de meia centena), mas os respectivos parlamentos não têm o correspondente com Portugal. Como é o caso da Suíça, que acabou por azedar a discussão desta tarde. Mas também os de Espanha, África do Sul, Argélia, Chile, Guiné Equatorial, Índia, Indonésia, Noruega e Peru.

A deputada do PCP Carla Cruz questionou o fim dos GPA a meio da legislatura e sobretudo o da Suíça (que integra) devido à “importância da comunidade portuguesa” no país, pedindo que se abra uma excepção. O tom de voz entre a deputada comunista e o presidente elevou-se e a primeira recorreu ao direito potestativo de adiar a votação para a próxima semana. Assim será.

A reacção de outros deputados que presidem a grupos de amizade desta lista de onze poderá não ser muito diferente, antecipa desde já Sérgio Sousa Pinto que, perante o pedido de excepção da Suíça contrapôs que o grupo de amizade Portugal-Alemanha “é um grupo activo, com trabalho construtivo com o embaixador” alemão. Mas nestes onze casos Portugal ou é tratado como “ibérico” ou os parlamentos ignoram o nosso país, descreveu. Por isso, há que seguir os critérios, sobretudo o da reciprocidade – e acabar com os grupos que não os cumprem. “Ou a comissão está unida neste ponto de vista ou não está. Nós somos a Comissão de Negócios Estrangeiros. Nós somos a garantia institucional de que isto não resvala para esta situações. Este é o nosso papel”, vincou Sérgio Sousa Pinto.

Voltando à amizade (ou ao seu fim) com a Alemanha: o embaixador português em Berlim foi chamado ao Bundestag onde lhe foi comunicada a intenção daquele órgão de acabar, por razões financeiras, com os grupos parlamentares de amizade com Portugal e Espanha, “racionalizar” o processo, e passar a ter apenas um “grupo de amizade ibérico”.

Na carta a Ferro Rodrigues lida por Sérgio Sousa Pinto, a Comissão de Negócios Estrangeiros lembra ser “doutrina e política reiterada” da Assembleia “não reconhecer nem instituir grupos de amizade multilaterais a menos que sejam expressamente solicitados pelos parlamentos dos Estados em questão” e hoje não existe nenhum nessas condições “envolvendo Estados soberanos”. 

O parecer realça que a “reciprocidade homóloga” é um critério essencial para criar e manter os grupos de amizade. Por isso, “se se confirmar” a intenção do Bundestag, ao abrigo da tal reciprocidade homóloga, o Parlamento português “deve determinar a extinção automática do grupo” português. E fazer o mesmo com os grupos que foram criados na Assembleia da República na expectativa que acontecesse o mesmo nos parlamentos desses países, mas que acabaram por não o fazer. A intenção foi gorada no caso dos dez países listados – incluindo Espanha, em cujo Congresso dos Deputados não existe um GPA com Portugal. 

Os GPA da Assembleia da República desenvolvem actividades de diplomacia e cooperação parlamentar, têm uma constituição pluripartidária de entre sete a 12 membros, e são uma área cobiçada por causa das viagens. Por princípio só existem grupos de amizade com países que tenham relações diplomáticas com Portugal e cujos parlamentos sejam livremente eleitos. Sérgio Sousa Pinto reconhece que uma das suas tarefas mais “ingratas” é ter que recusar a constituição de mais grupos deste género, uma vez que já existem 50 – e são muitos os embaixadores e outros diplomatas que recebe que trazem essa intenção na agenda.

O PÚBLICO quis saber o que pensa o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal desta polémica. "O senhor ministro não vai fazer uma declaração sobre essa matéria. É assunto do Parlamento", respondeu fonte do seu gabinete.

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