O filho de Yamileh está na prisão onde se "destrói um ser humano"

Iniciou em Lisboa uma viagem pela Europa em que vai contar o drama de Lorent Saleh, preso na Venezuela. Foi um dos opositores ao regime de Nicolás Maduro que, no ano passado, receberam o Prémio Sakharov.

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Loreth Saleh está detido há quatro anos Facebook

Yamileh Saleh é uma cara conhecida da luta pelos direitos humanos na Venezuela. Já falou com dezenas de jornais, associações e instituições sobre o drama humanitário e social que assola o país. Esteve no Parlamento Europeu para receber, em nome do filho, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento de 2017, atribuído à Oposição Democrática na Venezuela. E reuniu-se recentemente com o ex-presidente do Governo espanhol, José Luis Zapatero, para debater as condições dos presos do regime chavista

Mas quando fala sobre a prisão de Lorent, sobre as torturas a que foi submetido e sobre a tristeza que sente por não saber sequer se o filho vai ter direito a um julgamento, quanto mais libertado, a experiência acumulada de activismo serve-lhe de pouco. A voz treme-lhe e as palavras saem com dificuldade. Confessa estar “esgotada”. O corpo está cá, mas a mente permanece na Venezuela, com Lorent, diz.

No gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, para dar o pontapé de saída numa viagem que a vai levar a várias cidades europeias – incluindo Paris, Madrid e Roma –, com objectivo de testemunhar sobre o caso de Lorent Saleh e sobre a crise venezuelana, Yamileh esclarece rapidamente ao que vem: “Não sou política, nem nada que se pareça. Estou aqui como mãe. Como mãe de um rapaz que foi sequestrado pelo Governo de [Nicolás] Maduro e que tem sido alvo de torturas físicas e psicológicas”.

Sem precisar de recorrer a notas ou rabiscos numa folha, conta como o filho, de 29 anos, tem sobrevivido em El Helicoide, uma prisão “utilizada pelo Governo para destruir um ser humano”. “As agressões físicas acabam sempre por cicatrizar. Mas as agressões psicológicas ficam para sempre”, conta Yamileh, revelando que Lorent “está doente” e “que já pensou em suicidar-se”.

Detido desde Setembro de 2014, acusado de falsificação de documentos e instigação à violência, Lorent Saleh aguarda desde essa altura por um julgamento que, segundo a mãe, continua dependente de uma “ordem vinda de cima”. O próprio procurador que o acusou já pediu a sua libertação, há mais de um ano, e admitiu à mãe que o “processo só se resolverá politicamente”.

“Não sabemos o que se está a passar. O Governo fala de paz, de diálogo e de reconciliação, mas recusa-se a falar comigo e teima em manter o meu filho preso”, diz Yamileh.

A mulher que aceitou emprestar a sua voz a “todos os que estão presos nas masmorras venezuelanas”, diz que a entrega do Prémio Sakharov ao filho – em conjunto com os opositores Julio Borges, Leopoldo López, Antonio Ledezma, Daniel Ceballos, Yon Goicoechea, Lorent Saleh, Alfredo Ramos e Andrea González – lhe deu “esperança” e acredita que a exposição mediática que a distinção tem proporcionado pode ajudar a sensibilizar ainda mais pessoas de que é preciso “levantar a voz” contra o regime que classifica de “ditatorial” sul-americano.

“A crise humanitária na Venezuela não é uma fantasia, é uma realidade do dia-a-dia. Por isso agarro-me a este prémio e ofereço-lhe a minha voz para recordar às pessoas que o problema venezuelano é um problema mundial”, afirma.

Sobre a situação política no país e a recente eleição presidencial, boicotada pelos partidos da Mesa da Unidade Democrática (coligação da oposição), Yamileh não se aventura muito. Prefere falar dos presos. Garante, ainda assim, que a oposição está mais unida do que aparenta – “por coincidir no desejo de abandonar o sistema de Governo” do Presidente Maduro. E diz que na sociedade civil “as prioridades são outras”: “Há coisas mais importantes do que a política para lutar na Venezuela. Exceptuando uma parte mínima do país, estas eleições nem sequer existiram para os venezuelanos”.

Activista precoce

Lorent Saleh é um dos mais famosos rostos da oposição ao chavismo e da luta pelos direitos humanos e políticos na Venezuela. Começou muito jovem a denunciar perseguições políticas, a organizar manifestações de protesto e a dar a cara por causas humanitárias. Muito activo nas redes sociais, acabou por se transformar num dos principais alvos das autoridades, tendo fugido para a Colômbia para evitar ser detido.

Acabou por ser extraditado para a Venezuela, em 2014, por decisão do Presidente colombiano Juan Manuel Santos. Com 26 anos, entrou na prisão de Caracas, conhecido por La Tumba (o túmulo). 

Em 2016 foi transferido para Helicoide, um edifício gigantesco, no centro da capital venezuelana. Concebido nos anos de 1950 para ser um moderno centro comercial, nunca foi terminado e acabou por se transformar num complexo prisional gerido pelos serviços secretos venezuelanos, de acordo com o jornal The Washington Post, que diz que ali são diariamente agredidos e torturados prisioneiros do regime.

A última vez que Lorent foi visto em público foi na véspera das presidenciais de Maio. Liiderou um motim em Helicoide e gravou um vídeo a denunciar torturas e a exigir o aceleramento dos processos judiciais dos detidos. 

O impacto da gravação – reproduzida e partilhada vezes em conta nas redes sociais – originou uma ordem de suspensão das visitas à prisão, pelo que Yamileh Saleh não vê o filho desde 12 de Maio. Falar sobre ele pela Europa é, por isso, a forma possível para matar saudades e de manter viva a esperança de que o vai voltar a ver em liberdade. “Como todas as mães, nunca me cansarei de lutar por ele.

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